terça-feira, setembro 05, 2006

Cidade Proibida

Sentia-me óptimo, como se tivesse com uma grama e tal de coca nos cornos, fartei-me de dizer merda durante toda a noite, viver sem cessar, chateei quem naquela noite me acompanhou. Tenho pena, muita pena. Não fumei, não me droguei, mal bebi... Andei a cair nos vícios da monotonia. Naquele dia acordei diferente, sentia-me ainda mais parvo, gostava de como me sentia, adorava o que via, saboreava o que tocava. O dia estupidamente passado a trabalhar chegou ao fim, cheguei a casa de noite, o jantar por comer, lá o deixei arrefecer e corri para uma festa com a minha amiga Mara.
Saí para a rua, fui ter com amigos, tantos parvos eles como eu, todos brincámos, todos gozámos. Tinha o cabelo estupidamente arranjado, uma de muitas coisas estúpidas em mim, o vento soprava e criava em mim uma revelia estilista, ficava elitista. Velhinhas assustavam-se, atravessavam passeios, jovens voltavam a cara, sentiam-se incomodados. Sinceramente, caguei e gostei.
O reboliço da noite acabava, deixei a Mara em casa e subi para tomar um último copo. Caí com a Mara na cama, apesar de nada mais termos que amizade entre nós, dormi com ela na sua cama. Envolvi-me nos seus lençóis , sentia-me podre de bêbado, não esperava coisa boa. Não sabia se sonhava, se estava acordado, se morto. Vivia um mundo diferente, estava diante de estátuas, caíam sobre mim... Quis acordar!
Abri os olhos e estava subterrado, certamente não acordado.
Ficava sem oxigénio, estava a perder-me...
Acordei por fim, não dormia de verdade, fechava os olhos, enfim.
No sonho, troquei um olhar com algo desconhecido, nada de esclarecedor me contou, foi uma visão que nada de novo me despertou. Qual coisa generosa, qual coisa poderosa, nunca o bom se revela, esconde-se nos tempos que vamos vivendo, simplesmente vai aparecendo, fazendo o momento.
Ainda era de noite lá fora na rua, temia-se que longa.
No meu modo molengão, relaxado, descabido de responsabilidade, sensível aos sabores da vida e adocicado por uns lábios rosados, paro o que à minha volta gira, capto um momento meu assim.
Apetece-me cobrir... Sei lá, os montes de areia, gritar bem alto e dizer que sou assim. Estava coberto de argila, enterrado no meu próprio covil, inclinei a cabeça para o lado, nada vi, nada senti. Derramava uma lágrima em silêncio. Continuava bêbado, voltei a cair nas garras de uma noite de alucinação.
Acabou-me a merda da história do mundo girar, sempre o fez, não precisa que eu o repita constantemente em tudo o que é frase. Sempre continuará...
Há coisas que nunca mudam, a vida, o estilo das coisas, o jeito de viver e para muitos a maneira de amar. Fecha-se um novo ciclo, o mundo continua a girar, tenta-se recolher pequenos pedaços de nós desfeitos no exausto e ardido antro de paixão, o mundo continua a girar, consegue-se levantar para mais tarde se cair, continua a girar, sofre-se cá dentro, e este não pára.
Foi como condensar todo o mundo num só grito.
Torno a acordar, desta vez mais sóbrio e sem merda que pensar.
Não aguentava mais estar deitado, não deveríamos ter bebido tanto na noite anterior. A doce Mara voltava da casa de banho, tinha feito nova viagem para vomitar. Enquanto ela limpava a boca e esfregava os olhos, vesti as minhas roupas deixadas caídas no chão do seu quarto e despedi-me da minha amiga com um beijo na testa. Conduzi lentamente até casa, entrei silencioso e adormeci logo no sofá.
O dia foi passando, ia notando quando um olho ia abrindo de vez em quando. Acordei completamente quando o telemóvel tocou, era a Emiliana. Estava preocupada comigo, tinha-me visto abandonar a festa num estado lastimável. No entanto, sentia-me quase recuperado e pronto para outra, bem, quase.
Tinha que me despachar, havia novamente festa programada para aquela noite. Não teria de dizer boa noite a alguns merdas que não queria, era privada, com algum glamour e com um gosto especial. A Mara trabalhava para a imobiliária que tinha tomado conta da exploração de uma casa dentro do Castelo de Palmela, a mesma onde decorriam as quentes festas organizadas pelo falecido Miguel. Seria a última noite antes dos novos donos tomarem conta do espaço, faríamos lá a festa de despedida. A noite teria outros interesses associados para serem celebrados, o nosso amigo Mário estava completamente recuperado do tiro que levou na nalga, naquela mesma casa, e juntava-se a nós naquela noite. Mara levava uma amiga nova, chamada Débora e corriam rumores que era linda.
Como combinado, levei a Emiliana no carro comigo. Na chegada ao Castelo senti um arrepio, era a primeira vez que regressava àquele local após a batalha campal ocorrida dentro daquelas muralhas depois de uma festa de arromba e que teve como desfecho trágico a morte do Miguel e todos os acompanhantes no seu potente jipe que me perseguia. O pior ficava para trás, a noite era de festa e essas lembranças depressa foram esquecidas quando entrei no salão nobre e vi os meus amigos. Estávamos todos os cinco esperados naquela ocasião e duas raparigas servindo bebidas. Todos nos servíamos como queríamos, começava uma festa. Ficámos remetidos a uma pequena parte do Castelo, somente na casa rústica que o Miguel tinha alugada para as suas festas de culto. De copo na mão, sempre cheio, percorremos os quartos onde antes alguns de nós tinham partilhado aventuras e desenrolado cartadas no jogo de swing. Os tempos eram outros, essas aventuras não mais se passavam. Descemos para as caves, haviam dezenas de garrafas de bom vinho por abrir, os nossos olhos arregalaram-se e desejavam que fossem incluídos no banquete. O espaço era bonito, estava rusticamente bem decorado, ao fundo num dos cantos da adega, estava uma estátua que me parecia familiar. Não me recordava ao certo onde teria visto tal figura, aproximei-me e toquei no delicado objecto. Era uma estátua do meu tamanho de um guerreiro asiático feita em terracota. Estava impressionado com a sua magnificência e comecei a lembrar-me de onde tinha visto algo semelhante. A expressão asiática na face da figura, o mesmo formato da armadura e a posição de combate do guerreiro eram idênticas às que tinha visto no meu sonho embriagado.
Contei a todos o meu sonho, sorriam e gozavam discretamente.
Abrimos duas garrafas de vinho e continuámos a nossa festa na cave. Eu permanecia especulativo, estava inquieto, aquela figura medieval desviava-me a atenção. Havia algo de perturbador naquela estátua, o guerreiro não tinha uma arma na mão, em seu lugar possuía apenas um velho papel dobrado. Estava curioso, tentando não derrubar o artefacto, peguei no enrugado papel e vi a surpresa que nele escondia. Parecia um velho trapo, uma espécie de papiro antigo com um mapa desenhado. Não eram perceptíveis as localizações concisas daquelas indicações, nem em que ponto do mundo haveria algo semelhante ao que ali víamos desenhado, mas esconderia algo de importante, assim o parecia pela natureza e trato do papel. Alguém se tinha dado a bastante trabalho.

Mapa do Tesouro

Mara reconheceu a origem da estátua, o soldado em terracota que estava no nossa adega era um dos guerreiros de Xi’an que deveria estar junto do túmulo do seu imperador chinês. Era super valiosa de acordo com o seu detalhe e ainda bom estado de conservação, a nossa amiga não sabia porque razão teria ido parar perdida àquele local. Na base da estátua estava uma carta, era do irmão do Miguel, o mal afortunado e falecido Heitor. As palavras no papel contavam que a estátua era uma oferta para o seu irmão Miguel e, de acordo com o restante texto, parecia ter sido enviada na fase final da sua vida, pouco antes de ser capturado e se ter enforcado na prisão. Nela, avisava o seu irmão que estava sendo perseguido pela Agência e que pressentia que a sua vida estaria certamente ameaçada. Deixava-lhe então o seu maior tesouro, caso algo lhe acontecesse, fosse ele o primeiro a apoderar-se do seu espólio. Na carta não fazia referência ao que se tratava concretamente, apenas mencionava que existia outra peça do puzzle que lhe iria fazer entender a localização exacta do primeiro mapa que lhe enviara, estando guardada na sua casa de férias em Tenerife. A carta estava assinada com o nome Heitor e este deixava uma última nota de rodapé, Reflecte e flutua.
Por ironia do destino, Heitor não pode contar com a colaboração do seu irmão Miguel, também este havia sido assolado por uma morte trágica e quem iria tentar reclamar o seu tesouro seria quem directamente esteve envolvido na destruição da sua família. Surgia de imediato o interesse pela descoberta, teria de convencer os meus amigos a embarcarem nesta aventura comigo, mas não foi necessário grande esforço. A excitação era tanta que fazíamos planos para organizar uma exploração em busca de um tesouro que desconhecíamos o que continha ou sequer se existia.
Aquele mapa era uma herança do Heitor, sem mais ninguém para o reclamar, empurrava-nos directamente para a ilha de Tenerife em busca da outra peça do puzzle que nos faltava e assim descobrir onde estaria tal riqueza. Nessa mesma noite planeámos a viagem, precisávamos de dinheiro, a Mara ficava encarregue de tentar vender a estátua e assim financiar a nossa expedição.
O problema estava que não sabíamos onde era a casa do Heitor, o seu nome não aparecia nas listas telefónicas de Tenerife e a ilha era enorme demais para procurar uma agulha num palheiro. Só havia uma pessoa que talvez soubesse algo que nos pudesse ajudar, não estava certo que o faria ou fosse a melhor alternativa mas de momento seria a única possível. Na manhã seguinte, enviei um email para a Patrícia explicando a situação, esta era a única forma encontrada para contactarmos. Depois de almoço recebi a sua resposta, ela sabia da existência do mapa que possuía e desconfiava que esconderia algo valioso, tão importante ao ponto do Heitor ter abandonado a Agência e isso levado à sua morte prematura. Ela indicou-me a morada da casa do Heitor em Tenerife, esta pertencia à sua filha após a sua morte na cela de prisão. Seguíamos quatro pessoa para Tenerife, Mara não nos pode acompanhar. Eu e o Mário tratámos da logística e as meninas fizeram as malas. Iríamos ficar alojados num hotel em Puerto de la Cruz, na parte norte da Ilha, a poucos quilómetros da casa do Heitor. Partimos na nossa aventura quatro dias depois.
Tudo parecia calmo na nossa chegada às Canárias, viam-se imensos turistas, bastantes guias e o calor era insuportável. Nesse mesmo dia alugámos um carro e descobrimos a casa, era uma pequena mansão em plena zona montanhosa, com vista para o mar. não parecia guardada, haviam poucas casas na vizinhança e a zona era sossegada. Regressámos àquela zona no final do dia para levantar menos suspeitas, sem avistar vizinhos, tomámos a casa de assalto. Tinha o alarme ligado, teríamos de ser rápidos antes que dessem conta que havia algo de errado na casa que seguravam. Cortei a alimentação da pequena central de alarme, a bateria não reagiu, como esperado, estaria estraga após meses sem qualquer funcionalidade. Não que soubesse alguma coisa sobre assaltos a casas, mas a electrónica era universal. Entrámos silenciosos, partindo um pequeno vidro na porta, vasculhámos toda a casa. Nada, não encontrávamos absolutamente que se assemelhasse a um mapa. Nenhum papel nos mostrava o que procurávamos, talvez estivéssemos a procurar nos sítios errados, talvez procurássemos por algo errado. Começámos a mostrar sinais de cansaço, perdíamos a paciência, o alarme não tinha disparado mas instalava-se entre nós um clima de dúvida e inquietação acerca de toda a viagem. O nervosismo foi crescendo, ficava chateado com a situação e um pequeno pisa papeis em cima do piano levou com a minha ira. Peque no pequeno objecto de pedra de descarreguei a minha impaciência contra um espelho que se encontrava numa das paredes da sala, sobre a lareira. Nem vi os cacos de vidro caírem no chão, sabia o que tinha feito, sentei-me de imediato no sofá.
Olha, aquela tábua... – dizia a Emiliana.
Mário aproximou-se dela, a principio não liguei, mas levantei-me de imediato quando a Débora se cercou deles e começaram a rir. A base do espelho que tinha partido era uma madeira em forma de concha com algo cravado na sua superfície. Retomava algum gosto pela expedição, retirámos os restantes pedaços de vidro da base e conseguimos ver na totalidade o que tínhamos descoberto. Era aquela a nova pista, uma velha concha de madeira, não maior que uma bola de futebol. Incidindo a luz sobre as gravuras, decifrámos que clareza que se tratava da Colômbia, víamos assinalada a capital Bogotá e uma linha traçada para Cali, na região de Valle del Cauca. A linha não parava naquela zona, seguia até um ponto cravado junto à costa, em pleno Oceano Pacifico no seguimento do rio Naya. Seria para esse ponto, possivelmente a Ilha desenhada no papiro enrolado que estava na mão do guerreiro em terracota, que teríamos de seguir.
Regressámos em seguida ao hotel, pouco passava da hora habitual de jantar. A agência de viagens no hotel ainda estava operacional e marcámos de imediato a nossa viagem para a Colômbia, aquela seria a nossa última noite em Tenerife.
O Mário e a Emiliana estavam enérgicos e excitados, ainda foram sair para a noite. Passavam-me tantas outras coisas pela cabeça que não divertimento em bares e discotecas, estava entusiasmado com a descoberta mas as incertezas de que poderíamos alcançar algo eram diminutas, uma longa viagem até à Colômbia, todos os perigos inerentes àquele país e a custosa travessia de uma região de florestas densas em penhascos enormes e passando ao lado de uma guerra civil não eram pontos fortes a nosso favor. Fiquei pelo hotel, a Débora fez-me companhia ao jantar. Tinha ficado uma noite agradável para nós, jantámos numa varanda quase sobre o mar. As luzes das velas notavam-se mediante a fraca luz artificial, o bom serviço do restaurante e delicioso sabor da comida deixavam-nos satisfeitos e saciados. O ambiente era caloroso e bebemos um pouco demais, trocámos o vinho pelo bacardi e as nossas emoções ganhavam outras expressões. Nenhuma palavra quente trocámos, os nossos olhos queriam dizer tanto, a impaciência e os movimentos repetidos das nossas mãos mostravam muito mais. Nada dizíamos, no que seria quem pensávamos.
O jantar tinha terminado, subimos calados no elevador, caminhámos em passos lentos para os nossos quartos. Continuávamos em silêncio, despedi-me da Débora com um simples beijo na face, os lábios demoravam a descolar da sua pele macia. Os desejos eram outros, mas nada mais se passou. Não queria, não poderia. Desconhecia o que se passava na cabeça dela, senti por momentos o sabor a desilusão na sua expressão. A Débora abriu a porta do quarto e fechou-a atrás de si sem se despedir, fui para o meu, a meia dúzia de passos daquela porta.
Antes de rodar completamente a maçaneta da porta do meu quarto, senti o desejo crescer, a necessidade de me aproximar da Débora e molhar os meus lábios nos seus, sentir o calor do seu corpo. Tornei a fechar aquela porta, não era ali que me traria felicidade naquela noite. Corri como um louco, não mais que quatro metros, bati na madeira da sua porta e no segundo toque a porta abriu-se, Débora aparecia diante de mim, aceitava-me junto de si. Entrei lentamente no seu quarto, não falávamos, olhávamos fixamente nos olhos um do outro, as minhas mãos estavam inertes, eram arrastadas pelo meu corpo e esperavam um sinal de desejo para tomarem conta do momento de paixão. A porta atrás de nós fechava-se, a bela mulher colou o seu corpo no meu, estava feita a faísca. Débora estava quente, o seu corpo fervia. Despiu-me a camisa partindo alguns botões, sentia nas suas mãos sobre mim o calor aumentar. A sua boca acercou-se do meu peito e desceu lentamente para a cintura, beijando e chupando cada pedaço meu que os seus lábios encontrassem. Permaneci de pé encostado a uma parede, estava completamente imóvel, dominado por aquela mulher. Deixava que ela seguisse livremente todos os nossos instintos, baixou-me as calças sem as desapertar e mordeu-me o corpo através dos boxers, excitando-me com o seu calor, pedindo que fosse a minha vez de continuar o jogo. Puxei pelo seu cabelo, queria provar os seus lábios, saborear o calor da sua boca. Estavam doces, conservavam ainda o sabor do bacardi. Débora queria brincar um pouco mais, mordeu-me os lábios com alguma violência, a pequena dor que senti foi rapidamente esquecida pelo calor húmido da sua língua. Virou costas e afastou-se, vagueando quase nua pelo quarto escuro provocando-me com o seu sensual caminhar, caindo depois sobre a cama, aguardando pelo meu corpo, querendo o meu calor. Trocámos uns beijos calorosos e algumas carícias. A bela menina estava tensa, massajei as suas costas, comecei calmamente pelos ombros, humedecendo a sua pele com os meus lábios, antes de passar com o calor das mãos. O seu corpo reagiu de imediato, libertando um calor imenso, começando ela a suspirar a cada toque mais provocante que lhe ia dando.
A última peça de roupa que cobria o seu corpo levou horas para sair, em toda a sua pele toquei e acarinhei. Perdia-me constantemente no seu peito e descia sem rumo pelo seu corpo, massajava as suas pernas e no calor dos seus lábios me reencontrava. Estávamos bem, sem a pressa inicial, o amor fluía e o desejo controlava os nossos movimentos.
O tempo avançava, a noite segui o seu percurso habitual e uma leve brisa marítima entrava sorrateira pela varanda do quarto, refrescando os nossos corpos exaustos. Fizemos amor, o tempo deixara de ser importante, sentimos que acabámos quando os nossos corpos se sentiram saciados e o nosso desejo passou de carnal a apreciar o belo momento calmo que desfrutávamos, quisemos adormecer ali bem juntos, enrolados um no outro.
Tomámos um duche em seguida, ainda com as toalhas enroladas, procurámos o vento suave que corria no nosso balcão de varanda, partilhando uma cadeira uma cadeira e todo um céu estrelado que nos servia de absolvição. Foi bom, foi doce, soube a calor de Verão.
Adormecemos naquela varanda virada para o mar, os nossos corpos despidos procuravam aquecer entre si, a temperatura tinha baixado na rua. O novo dia vinha a caminho, o Sol começava a nascer lá ao fundo no mar, ainda bem longe sobre o horizonte. Bocejei, a bela Débora continuava no seu sono sem que nada a importunasse. Os nossos braços estavam agarrados nos meus, aninhava a sua cabeça no meu peito e naquele recanto se deixava ficar.
Não mais fechei os olhos, era um momento bom demais para desperdiçar sonhando quando o poderia viver ao vivo. Entre o barulho das ondas que escutava e me embalava, ouvi outro por trás de nós. A porta do quarto fechava-se, era a Emiliana que tinha entrado. Chegava da noite, regressava sozinha, deveria ter largado o Mário no nosso quarto, mas pela hora tardia, não havia de lá saído sem diversão. A rapariga entrou e nada nos disse, foi á varanda, olhou-nos de perto e tornou a entrar no interior do quarto. Caiu como que inanimada na cama onde antes havíamos feito amor. Parecia cansada, depressa fechou os olhos e adormeceu.
Aquele seria o nosso último dia em Tenerife, tínhamos o mapa que tanto queríamos e as passagens para o outro Continente estavam marcadas para a tarde que se seguia. Acordámos quase em cima da hora de almoço, aproveitámos as poucas horas que nos restavam da estadia como se fossem férias e passeámos pela praia antes que o táxi nos viesse buscar para o Aeroporto. A areia preta das cinzas vulcânicas serviu-nos de sala de espera, apanhávamos os nossos últimos raios de Sol naquela ilha paradisíaca.
O táxi chegava por fim, no final daquela tarde, voámos entre capitais fazendo escala por Madrid. A travessia foi longa, mas na manhã do dia seguinte aterrávamos em Bogotá.
O clima era bastante húmido, suávamos por todos os poros. Nada conhecíamos da cidade, a confusão era enorme, esperávamos por um táxi na porta do Aeroporto e a nossa vez nunca mais parecia chegar. Era tudo tão diferente do que estávamos habituados, as pessoas, os costumes e toda aquela azáfama e turbilhão urbano que não nos dava descanso.
Fomos para o primeiro hotel que o taxista nos recomendou, tínhamos que descansar e planear como atravessar cerca de quinhentos quilómetros naquele caos social. Grande parte da viagem seria feita por comboio, até Cali, depois teríamos de nos sujeitar a uma longa viagem de autocarro por montanhas agrestes. Quando descêssemos da camioneta, esperávamos um dolorosa caminhada, que não se esperava nada fácil, até alcançarmos a baía assinalada no mapa e de lá vermos o mar e a nossa ilha do tesouro.
Após o jantar, as meninas subiram aos quartos para dormirem. Saio para a noite com o Mário, queríamos conhecer um pouco da noite da cidade que nos acolhia. Entrámos no primeiro bar sem bêbados na porta que descobrimos, bebemos dois copos de rum e seguimos para uma discoteca, seguindo um pequeno grupo de mulheres. A música estava forte, as bebidas vinham chegando, o ambiente ficava ao rubro. Uma bela senhora aproximou-se de nós, bem vestida e com uma cara linda. Meteu-se connosco, brincou primeiro com o Mário e virando-se depois para mim. Mordeu-me a orelha com a ponta dos dentes, logo depois de se apresentar, o seu corpo roçou na minha cintura e os seus dedos enrolaram-se no meu cabelo solto. Deixava-me levar pelo tom da música, o sensual dançar do seu corpo enchia-me de excitação, beijei-lhe carinhosamente o pescoço, pedia ardentemente pelo caloroso sentir dos seus toques.
Aquela música acabava, trocada por uma outra mais calma. Ficámos parados no meio da multidão.
Te quiero. – sussurrou ela no meu ouvido.
Escutava o seu espanhol num tom melodioso, a sua voz era quente.
Ven a mi... Te quiero seducir. Dame tu cuerpo.. – acrescentou, agarrando forte na minha braguilha e fazendo a sua mão entrar lentamente depois de a desapertar. Fiquei louco de desejo, completamente rendido àquela colombiana. Começava a gostar daquele país, nem tudo parecia mau.
Mas o seu propósito era diferente do meu, passadas as apresentações calorosas e os jogos de cintura, a bela mulher insurgiu-se com uma proposta, perguntando-me quanto pagaria por uma noite com ela. Sorriu em seguida, desconfiei logo que havia uma contrapartida para uma aproximação tão agressiva e nada natural, estando algo mais em jogo que simples prazer, o seu desejo pelo recheio da minha carteira era mais que evidente. Queria cona, talvez dela, mas nunca pagaria por ela.
A elegante prostituta facilmente descodificou a minha resposta e partiu para um novo alvo de ataque naquela noite. Tanto eu como o Mário estávamos bêbados, ficávamos saciados para aquela noite e regressámos ao hotel.
O outro dia começou bem cedo, mal dormimos e quando realmente despertámos já estávamos a bordo de um comboio a caminho de Cali, passando pelas montanhas a caminho do mar. a viagem tornou-se menos cansativa que o esperado, tínhamos um compartimente de vagão só para nós com apenas outro turista partilhando-o. Chamava-se Bruno e vivia em Lisboa, a sua cara não me era estranha, já o teria visto certamente em qualquer outro local que passara. No entanto, nada mais descobri. O rapaz era reservado e pouco falou durante toda a viagem. O baloiçar das velhas carruagens e as florestas vastas de perder de vista embalaram-nos num sono pesado, acordámos com um oficial militar mandando-nos levantar, tínhamos chegado a Cali. O Bruno não estava mais ali, o cabrão já tinha saído mas não nos acordou.
Cali não nos apresentava grande história, pouco das suas ruas vimos. Era quase de noite, corremos para o autocarro que nos aguardava bastantes ruas abaixo da estação de comboios. Não conseguia pregar olho no autocarro, era uma velha relíquia que havia certamente cruzado muitas guerras, os tiros de balas das milícias nos assentos desconfortáveis e o cheiro a gasóleo queimado, o suor que nos escorria pelo corpo, os putos que subiam às janelas pedindo dinheiro sempre que se atravessava uma aldeia no interior do vale e algumas galinhas que outros passageiros transportavam eram nossos companheiros de viagem. Custou muito o passar daquele tempo, olhando agora para a janela embaciada onde tinha a minha cabeça encostada, via a claridade tomar conta da floresta em redor, o Sol aparecia e um novo dia estava a nascer.
Finalmente a camioneta parou, não aguentávamos mais. Deixou-nos numa aldeia próxima do mar, avistámos de imediato o cume descrito no mapa encontrado em Tenerife. Comemos numa tasca na aldeia, levantámos suspeitas de imediato, o espaço era controlado por milícias, possivelmente traficantes de droga. Fizemos o papel típico de turistas, olharam para nós de cima abaixo, viram que não constituíamos ameaça e não colocaram qualquer entrave à nossa passagem pelo seu ponto de controlo.
A cadeia montanhosa estendia-se do vale da aldeia onde estávamos para o nosso ponto de destino, uma baía que se escondia atrás do cume presente no mapa. A pobre estrada de pedras e terra batida por onde o autocarro nos tinha trazido perdia-se no interior da densa floresta e teríamos de continuar a pé dali para a frente.
El Icod del Diablo, o canto do Diabo, era o cume montanhoso para onde nos dirigíamos. A baía estava atrás da sua encosta que dava para o mar, teríamos de o contornar, seria impossível para nós escalar o pedregoso cume. Parecia que tínhamos o nosso ponto de destino tão próximo, mas na realidade estávamos bastante longe. Desconhecíamos os perigos que encontraríamos ao longo da caminhada e a vasta vegetação eram factores suficientes para nos preocuparem.
Não havíamos dormido nada no velho autocarro, todas as valas e buracos foram sentidos, para além do medo e da incerteza que nos acompanhava a cada passo dado no desconhecido, também a constante dor nas costas estava bem presente. Tínhamos deixado a aldeia para trás naquela manhã e começado a caminhada com os primeiros raios de Sol, já este havia corrido todo um horizonte e iluminava a sua última hora naquele dia antes de se pôr. Chegámos de noite ao vale do Icod del Diablo, as lanternas eram fracas naquela noite de Lua nova e estávamos exaustos. Não havia tempo ou forças para montar um acampamento, qualquer movimento mais seria um sacrifico para os nossos corpos debilitados. Pousei a mochila, vagueei um pouco nas redondezas procurando um sitio onde pudesse cagar, continuava demasiado próxido deles. O chocolate deu-me a volta à barriga, tinha sido apenas o que comemos durante todo o dia de caminhado sob um intenso calor. Fui a correr para a mata cagar. Os estragos pareciam grandes, tinha as tripas em alvoroço. Estavam todos a poucos metros de mim, tentava ajeitar-me encostado a um tronco de árvore, aromatizando os seus ramos com toda a essência de uma noite ao ar livre. O tempo ia passando, não estava com vontade nenhuma de me levantar daquela posição, tinha gasto as últimas forças a cagar, parecia confortável e um óptimo local para passar um serão. Senti-me adormecer, os olhos pesavam, as mãos estavam caídas pelos joelhos, a cabeça tombava sem direcção. Não senti despertar, mas acordava certamente. De olhos abertos e movimentos revitalizados, sempre de lanterna na mão, iluminava a vegetação tentando avistar cobras e outros pequenos bichos que não eram para ali convidados. Nada de estranho surgia, deixei tombar a lanterna com o cansaço e algo reflectiu de uma árvore. Puxei imediatamente as calças para cima, sem me limpar. Corri, pouco, parei e voltei a iluminar o que me tinha assustado. Não me podia deixar domar daquela forma pelos meus medos, calmamente, aproximei-me e começava a ver alguns reflexos ganharem formas. Parecia-me algo familiar, continuei aproximando-me, ainda que a medo, quando finalmente me apercebi do que tinha diante de mim. Chamei o Mário e as meninas, vieram a correr, pensaram que me tivesse acontecido algo.
João, que foi?! – gritava o Mário, aproximando-se.
Olha, olha para ali. – disse eu, apontando na direcção de uma velha carcaça de avião.
Vasculhámos o aparelho, encontrámos ossadas de corpos na frente, fazia muito tempo que ali estavam. O avião era pequeno, no compartimento de cargas estavam alguns caixotes e as raízes das árvores que o abraçavam tomaram aquele lugar sinistrado como local onde cresceriam. A nossa curiosidade era bastante, desconfiávamos do que se tratavam aquelas caixas em madeira, não foi surpresa quando abrimos uma e vimos dezenas de sacos contendo pó branco.
Isto é cocaína! – exclamava o Mário, depois de provar o produto.
Como sabes, porra? – perguntei-lhe.
Ora João, velhos hábitos nunca se esquecem. Está pura... Isto vale milhões. – acrescentava.
Sabia que o Mário consumia, não o fez naquela viagem, mas em muitas ocasiões anteriores. As nossas mochilas de campismo estavam completamente cheias, mas ainda assim, ele conseguiu arranjar espaço na sua para arrebatar dois daqueles sacos, tal era o seu desejo pela coisa.
Abrimos outros caixotes, o que se desvendava era igual. Dispusemos algumas tábuas partidas sobre o chão lamacento da estrutura do avião e utilizámos uns sacos como almofada. Acordámos na manhã seguinte com a forte chuva que caía, o bater da torrente de água na estrutura do avião cedo nos despertou. Ficámos amedrontados, parecia que a frágil carcaça ia ruir a qualquer instante e seriamos arrastados pelas chuvadas floresta abaixo. Ficámos reticentes em dar um passo fora do nosso refugiu, mas fomos obrigados a partir à medida que a água entrava dentro do avião. O caminho pela frente parecia ainda mais longo, não havia tempo a perder. Aventurámo-nos no diluvio tropical, levámos mais dois dias e duas noites a alcançar e transpor o vale do Icod del Diablo, chegando por fim à baía. A descida para a praia foi demorada, a água começa a secar nos nossos cantis e as pernas tropeçavam entre passos falsos dados em rochas soltas que deslizavam encosta abaixo.
Era novamente de noite, no fim do quinto dia na Colômbia, não mais sentíamos os mosquitos nem as picadas constantes no corpo, a água lamacenta sabia a néctar e a única fruta que comíamos eram um manjar de deuses. O frio chegava com a noite e as nossas roupas encharcadas em suor tornavam-se incómodas, precisávamos de aquecer, estávamos perdidos naquela baía deserta, no meio de nada. O Mário saiu com a Débora para recolherem paus e troncos que nos aguentassem uma fogueira, fiquei com a Emiliana e uma lanterna no centro do nosso pequeno acampamento rudemente montado.
Levavam algum tempo, havia pouco claridade e não sabíamos o que se escondia para lá daquela praia. Longos minutos depois, regressava o Mário para junto de nós, estranhámos vir sozinho. Perguntei-lhe pela Débora, ele não sabia dela. Tinha se afastado dela para mijar colado a uns arbustos quando a vira pela última vez, apanhado paus para um saco de plástico e seguindo na nossa direcção.
Não sabíamos da Débora, tinha vindo na direcção da praia mas nunca havia chegado de novo perto de nós. A nossa amiga estava desaparecida, ainda era prematuro, mas temíamos dezenas de coisas más que lhe pudessem acontecer. Procurámos a noite toda, nada, nem um sinal encontrámos do seu rasto. O céu estrelado clareava com o aproximar da manhã, a noite estava de partida e também nós teríamos de regressar ao acampamento.
Chegámos exaustos, perdemos o rasto dos nossos passos por diversas vezes e foi complicado retomar o caminho certo. Não tivemos tempo para descansar, o ambiente em redor das nossas tendas estava diferente, a sua disposição parecia ter sido alterada e as nossas coisas remexidas. Pousámos as pesadas mochilas de campismo na areia, reparei que a lona lateral da nossa tenda tinha sido rasgada, era um corte perfeito de cima a baixo. Os nossos sacos-cama estavam abertos e furados, alguém tinha forçado a entrada com uma faca, no entanto, o pouco que havíamos deixado dentro da tenda permanecia no seu interior apesar de destruído.
Foda-se! Que merda é esta? – gritava o pobre Mário.
Temia que fosse obra das milícias que patrulhavam a região e também tivessem levado a nossa amiga. O coração apertava, nenhum tesouro no mundo valeria uma perda tão grande nas nossas vidas. Ficámos desolados.
A Emiliana chorava, entrava e saia da tenda vezes sem conta, retornava a entrar e deitava-se sobre o amontoado de sacos-cama revirados. A sua impaciência deu frutos, a doce rapariga encostou a cabeça na pilha de tecidos e sentiu algo rijo debaixo da sua cabeça. Tememos que fosse um bicho, levantámos os sacos-cama com cuidado e deparámos com algo estranho mas que nos indicaria algo de novo. Era um bilhete escrito numa manga de camisola com uma faca espetada, algo que nos havia fugido da atenção momentos antes. Reconhecemos de imediato a peça de vestuário, era da nossa amiga Débora. Ficámos aterrorizados, não estávamos sozinhos.
Mário leu o que dizia, em voz alta...

Tenho a vossa amiga.
Desvenda o resto do mapa ou ela morre.
Estou de olho em ti, não me desiludas.

Patrícia xxx


Fiquei sem reacção, devo ter ficado pálido, completamente incrédulo. Desconfiei das milícias colombianos e traficantes de droga e no fim era a pessoa que menos imaginava, a minha velha conhecida Patrícia. Tinha cometido uma falha grave ao pedir-lhe ajuda para localizar a casa do Heitor em Tenerife. Sabia que ela não seria de confiança, já tantas provas me havia dado no passado, ficou entusiasmada com a possibilidade de eu realmente estar na pista correcta e quis ser ela a reclamar o trofeu. As cosias tinham chegado a um ponto critico, agora, mais que um estúpido tesouro, era a vida da minha amiga que estava em jogo.
Quem é esta Patrícia? – perguntava a Emiliana.
Tive de lhes contar toda a história, os detalhes eram tantos e tão complexos que era completamente dia quando terminei a minha versão, connosco ali sentados na tenda.
Porra, e tu conheces esta gaja?! – o Mário revoltava-se.
Era evidente o que a Patrícia queria, os nosso passos devem ter sido seguidos desde o momento que iniciámos a expedição, logo após o meu email para ela. A Débora era sua refém, servia como moeda de troca para o que pudéssemos encontrar no fim do caminho traçado, queria lhe fizéssemos o trabalho sujo e no fim aparecia para recolher o achado.
Desconhecia que mistério tão grande aquelas duas partes de mapa escondia, mas acabava de se tornar indispensável para a continuidade das nossas vidas. Com o nascer do dia, da baía, avistámos a Ilha que perseguíamos. Teríamos de alcançá-la, não possuíamos um barco, o percurso teria de ser feito a nado. O mar parecia calmo, deixámos a tenda e os mantimentos para trás naquela praia, levávamos as mochilas com pouco peso para que a travessia fosse possível de se realizar. Com sorte, depois de passarmos a forte rebentação das ondas, as correntes nos levassem na direcção desejada.
Lançámo-nos ao mar, mas assim não acontecia. Estávamos há mais de uma hora dentro de água, nadávamos como podíamos, lutando contra a maré mas a travessia parecia interminável. Começávamos a ficar com a garganta desidratada da muita água salgada que tínhamos involuntariamente engolido.
Quase sem forças, fizemos um esforço final e conseguimos apanhar a corrente que nos levaria de encontro à rebentação das ondas numa das praias daquela Ilha. Sentimos terra firme debaixo dos nossos pés, não nadávamos mais, éramos simplesmente arrastados a reboque pela vontade do mar. estávamos mortos de cansaço, os nossos corpos exaustos foram levados pelas ondas até à areia da praia. Não nos levantámos, ali ficámos caídos, jogados fora das suas águas pelo mar e adormecemos.
Acordávamos novamente numa terra que não era nossa, após tantos despertares em tão poucas horas sentia-me mentalmente perdido, deslocado do tempo e das horas. A primeira coisa que fizemos foi procurar comida, tínhamos o estômago completamente vazia desde a noite anterior e já era final de tarde do dia seguinte. Juntámos alguma fruta, preferimos não nos aventurar para além da praia, deixar a vegetação para mais tarde, quando decifrássemos o resto do mapa em papiro que carregávamos, tentando localizar-nos naquela Ilha. A notícia não foi agradável, pelo desenho do litoral e os penhascos que nos rodeavam, tínhamos sido arrastados pela corrente para a parte norte da Ilha, tal como indicava a bússola. Teríamos de chegar ao centro da mesma, passando pelos penhascos que circundavam a praia, seguindo o denso planalto e encontrando a cascata. As indicações acabavam ali, o nosso destino final não nos escaparia por muito.
Ainda estávamos cansados, a comida era pouco para tanta fome. Criámos um pequeno ponto de descanso, sem tenda ou sacos de cama, usámos folhas caídas de palmeira para nos abrir do frio da noite que chegava.
Emiliana acordou-me a meio dessa noite, não conseguia adormecer e pediu-me que fosse com ela dar uma volta pela praia. O Mário dormia profundamente, nem deu conta que nos tivéssemos levantado. Fomos vagueando pela praia, sem necessidade de lanternas, apenas iluminados pela Lua crescendo e o seu reflexo nas águas límpidas daquele paraíso.
Que se passa Emiliana? – perguntei.
Nada, apetecia-me passear, só isso.
Parei junto da beira mar para apreciar o plâncton brilhar na água, era lindo.
A bela rapariga parou a sua caminhada e cercou-se de mim.
João, achas que te ignoro? – perguntava ela.
Não...
Fez-se silencio nas nossas palavras, por momentos, esquecemos que a nossas últimas frases nunca tinham existo, não fazendo sentido naquele instante. A Lua continuava a brilhar no mar, o plâncton expelia as usas belas cores vivas e criava um espectáculo que nos entretinha.
O silêncio foi quebrado...
Mas tento. – acrescentava ela.
Não há razão para isso... – dizia eu.
Há, muita. Não consigo estar assim tão próxima de ti. – respondia ela imediatamente, encurtado o espaço entre os nossos corpos e agarrando-me com força na mão.
Olha, o mar está tão lindo.
Largou-me a mão e correu para dentro de água, segui os seus passos e mergulhámos vestidos. Quando regressámos à superfície, o plâncton afastava-se e criávamos o nosso próprio espectáculo. A troca de olhares levou aos beijos, estavam molhados, as caricias pelos corpos, as roupas que saiam coladas da nossa pele...
Acabámos na areia da praia, enrolados um no outro, fazendo amor e passando aquela noite juntos. Estávamos caídos, mortos de cansaço. A areia arrefecia com o entardecer da noite, a Lua continuava em cima no alto e as estrelas escutavam os nossos suspiros. Ali estavam dois amigos, abraçados, aquecendo os corpos numa noite fria.
O Mário acordou-nos na manhã seguinte, vagueei pela praia da noite anterior, completamente deserta. Aninhava os meus pés na areia, estava fria, escutava o mar a poucos passos de mim e avistava, por entre a neblina, o caminho que nos levaria a bom destino.
Seguimos a nossa sorte, depois de uma desgastaste escalada por um penhasco inclinado, chegámos ao vasto planalto mostrado no mapa, estávamos na direcção certa e sentíamos as esperanças de um bom desfecho aumentarem a cada passo decisivo que dávamos. Não podíamos acreditar no que tínhamos à nossa frente, todo o planalto estava transformado num longo e vasta plantação de coca. Poderíamos estar a ser observados, corremos na direcção da floresto o mais rápido que podemos.
O nosso destino glorioso era interrompido, rapidamente fomos cercados por um homem armado que nos obrigava a deitar imediatamente no chão, connosco ali tão próximo de entrarmos novamente na densidade da floresta. Era um traficante de droga e estávamos no seu campo de plantação de coca.
O velho Mário mostrava a sua mala ao mitra que nos cercava. O traficante ficou interessado no seu conteúdo, mexia e provava um dos sacos de coca que estavam na mala do nosso amigo. Seria aquela a nossa única hipótese de fuga, enquanto o Mário o distraía, levantei-me bruscamente e apanhei-lhe a arma. Não a conseguia sacar, estava presa em volta do seu braço e quase levava um tiro. A Emiliana apercebeu-se e deu com a sua mochila na cabeça do traficante, por pouco não me acertou também, o homem ficou algo combalido e caiu no chão depois de sentir novamente o peso da mochila sobre a sua cabeça.
Deixámos tudo para trás, malas e tudo mais. Os sacos de cocaína tinham dado os seus frutos. Tínhamos ganho algum tempo, não muito mas o suficiente. Escutávamos os disparos atrás de nós, não era apenas o outro homem correndo atrás de nós, as balas saiam de mais armas. Mais depressa chegávamos ao nosso local marcado, apenas temíamos que nos seguissem.
Sempre de mapa na mão e seguindo religiosamente os seus traços, estávamos próximo da cascata que nos mostraria o tesouro e desta vez seria também uma escapatória com vida. Apanhámos o curso do rio que descia das montanhas, os traficantes não mais disparavam os seus tiros de intimidação mas sabíamos que estariam por perto. Avistámos a longa queda de água, tivemos medo a principio, mas seria o salto mais importante das nossas vidas, um pouco a medo, recuámos. A Emiliana mostrou que levava aquilo a sério, despiu a camisola e deitou-a para os arbustos ao lado. Deu um passo na berma da encosta e saltou primeiro que nós naquelas águas agitadas. Veio à tona de água, chamou-nos para junto dela.
Saltámos, a queda era enorme e o impacto na água foi um pouco doloroso.
Caminhámos junto da queda de água, as rochas molhadas junto da encosta da cascata serviam-nos de trilho e descobrimos uma entrada na rocha. Estava escuro, tirámos as nossas lanternas de bolso, o único utensílio que sobrevivera a toda a expedição e iluminámos a gruta que se seguia àquela entrada molhada. As indicações do mapa acabam ali, dali para a frente estávamos por nossa conta.
Descemos a longa caverna que se escondia na cascata, não havia luz natural, seguíamos atentamente os passos que as nossas lanternas iluminavam. Páramos todos de caminhar, a gruta abria-se para uma câmara subterrânea. Era um local lindíssimo, não mais eram necessárias as lanternas acesas, no topo da câmara, e por entre o amontoado de rocha, estendia-se uma fenda para o exterior na qual a luz solar entrava. Deveria estar quase sobre nós, estávamos em início de tarde, os seus raios iluminavam o nosso tesouro. O interior da gruta fazia-nos relaxar e dar largas à imaginação, transportando-nos para uma história de aventuras e recheada de emoções fortes, tento apenas como limite a força da nossa imaginação. Tínhamos diante de nós o nosso tesouro, uma multidão de soldados de Xi’an feitos em terracota. Éramos senhores de um legado digno de um imperador chinês, mas teríamos de nos limitar a apreciá-lo dali, nunca o conseguiríamos transportar.

Interior da Gruta Contudo, nem tudo eram más noticias. Heitor tinha deixado algo mais no caminho para as estátuas, uma garrafa dentro de um cesto de barro aguardava quem fosse reclamar tais preciosidades. Abrimos a garrafa de rum, tinha mais de oitenta nos e deliciava o nosso espirito. Todos nos servimos, estávamos contentes, agora só nos faltaria recuperar o maior tesouro de todos, a nossa amiga Débora.

Ficámos radiantes, tão entretidos com o momento que viviamos, não mais nos lembrávamos da Patrícia e dos traficantes que nos persegiram. A nossa paz de espírito era abalada, sscutámos palmas de um dos topos da câmara, a poucos metros de nós. O nosso momento de magia era interrompido. Três pessoas aproximaram-se da claridade e deram-se a conhecer.
Bravo, bravo... – dizia uma das pessoas, era a Patrícia, batendo palmas.
Mas... Como nos seguiste até aqui a baixo? – perguntei, incrédulo.
Injectei-te um transmissor no braço quando dormias no comboio. – dizia a outra pessoa, mostrando-se completamente fora do escuro.
Ela tinha chegado até nós, seguindo os nosso passos. A Débora vinha com ela, estava de mãos amarradas atrás das costas e segurada pelo companheiro da Patrícia. Fiquei incrédulo, era aquele cromo que nunca falava e passou a viagem de comboio de Bogotá a Cali sem dizer mais que duas palavras. O Bruno pertencia à Agência, a sua viagem a bordo daquele vagão serviu para nos colocar um sinalizador enquanto dormiamos, cabrão.
O nosso momento a desfrutar a doce garrafa de rum tinha sido interrompido, mas agora chegava a vez do momento da Patrícia ser interrompido e de forma bem mais convincente. Os traficantes conseguiram descobrir-nos e atacavam agora a nossa posição. Eram quatro traficantes, abriam fogo sobre todos nós. Os consecutivos disparos de balas danificavam o tesouro e este desabava para as encostas da câmara que lhe serviu de esconderijo. Queríamos fugir dali, os traficantes envolviam-se numa troca acesa de tiros com a Patrícia e o Bruno, deixando-nos como que esquecidos entre as estátuas chinesas. Os mal preparados homens atacaram primeiro mas não iam resistindo à melhor preparação militar dos dois agentes especiais, caiu um deles, depois outro e agora sobravam apenas dois. Entraram em desespero, achando que as balas não lhes serviriam os propósitos, lançaram uma granada cada um contra a posição do Bruno, este conseguiu abrigar-se, mas foi projectado violentamente contra uma rocha e ficou a contorcer-se, gritando com cores. A estrutura da gruta tinha sido abalada, muitas das estátuas estavam completamente destruídas e uma parede da câmara subterrânea estava seriamente danificada. Ocorreu um pequeno desabamento e abre-se uma pequena fenda na rocha. Estávamos situados abaixo do nível do mar, se a imensa água no exterior proveniente da cascata entrasse o local ficaria inundado num curto instante.
A Débora tinha ficado abrigada, conseguia agora correr para junto de nós. Um dos traficantes viu a nossa amiga correr e aproximou-se de nós, cercando-nos e forçando uma luta. Estávamos cansados e feridos, as últimas forças que nos restavam eram gastas em pancada. A pequena abertura na rocha depressa se transformou numa fenda maior, criando um orifício para o exterior da câmara com a pressão da água sempre a aumentar e a querer romper por aquele recanto a dentro. O local começou a inundar, a água ia correndo com algum volume pela fenda na rocha, aquela gigante fortuna e página de história seria perdida para sempre.
A Patrícia conseguiu despachar um dos traficantes, o outro lutava comigo. Não estava a dar conta do assunto, com todos os outros feridos, não poderia baixar os braços, mas a mulher agente aproximou-se por trás e torceu-lhe o pescoço.
Patrícia não perdeu mais tempo comigo, correu para junto do seu companheiro. Tínhamos levado com pedaços de argila das estátuas desmoronadas, estávamos manchados de sangue por todo o corpo e tivemos de correr para a saída da gruta, de regresso à cascata, senão teríamos a mesma sorte que aquelas estátuas.
Patrícia não conseguia arrastar o Bruno dos escombros, estava cansada e ferida num dos braços. Sentiu-se pela primeira vez sozinha e sem o controlo da situação, no seu jeito arrogante, pediu-me ajuda e disse que nos tirava daquela Ilha a salvo. Algo me fez não acreditar nela, mas não ficaria ninguém para trás. O outro agente tinha uma fractura exposta na perna direita, não iria longe sem a nossa ajuda. Transportámos o seu companheiro para fora daquela gruta e atravessámos todos o campo de coca carregando aquele tipo. A descida para a praia foi complicada, o terreno era inclinado e repleto de rochas pontiagudas. Foi doloroso ver a sua cara de sofrimento sempre que tombava numa pedra mais saliente.
Seguimos o trajecto que tínhamos tomado na chegada à Ilha. Seguindo as indicações da Patrícia, destapámos uma lancha rápida escondida na praia, coberta pelas mesmas folhas de palmeira que tínhamos usado para passar a noite. Empurrámos o barco de volta ao mar, entrámos todos nele e saímos por mar daquela Ilha. Não seguíamos para a enseada de onde nos tínhamos feito ao mar e nadado até àquela Ilha, íamos na direcção oposta, para pleno mar alto.
Hora depois sempre a acelerar na potente lancha, os gritos do Bruno tinham cessado, tinha desmaiado pelas fortes dores que sentia. Estávamos novamente com a costa à vista e ancorado perto de uma baía estava um enorme cruzeiro turístico. Estávamos de volta à civilizações, fosse aquilo que fosse. Patrícia parou o barco na proximidade do casco do enorme navio, algumas pessoas aperceberam-se que nos estávamos a aproximar e vinham ao convés espreitar o que fazíamos. Acenávamos na sua direcção, algo cai no mar, algumas das pessoas que nos acenavam, gritavam agora e chamavam por alguém. Foi tarde quando me apercebi do que se tinha passado, Patrícia estava de arma em punho e a pobre Emiliana lançada ao mar. Apontou-me a arma e ordenou-nos que saltássemos todos borda fora ou a nossa amiga ficaria ali sozinha.
Não havia tempo para medir forças, fizemos o que nos mandou e ela seguiu a toda a velocidade, levando o Bruno consigo, para bem longe dali, perdendo-se no horizonte.
Fomos recolhidos pela tripulação do cruzeiro. Passámos aquela noite no hospital do navio, nada mais sentíamos, estávamos anestesiados e todos a salvo. O perigo tinha ficado lá fora.

5 Comentários:

Blogger John Akura disse...

pois, lá regressei para vos foder o juizo. :)

10:14 da tarde  
Blogger p1ngger disse...

pah... nem mascamos umas folhas??? :O

12:08 da tarde  
Anonymous Anónimo disse...

Jovem..andas lhe a tomar o jeito.
De todas as histórias q escreves, esta é a melhor.
Vende a tua ideia e ainda fazem um filme

:)

8:30 da tarde  
Blogger John Akura disse...

Nao me parece, tem demasiada qualidade para ser inserida no horario nobre da TVI. Para destronar os Morangosos seria preciso muito pior. ^^

11:35 da manhã  
Anonymous Anónimo disse...

Acabei de ler hoje a historia , como ja te disse no msn, com uns acertos literarios , daria a historia de um livro de contos, li algumas k tens antes e realmente esta esta muito melhor.Continua a escrever, mesmo k seja só por gosto podes ficar um bom contador de historias.
beijinho e parabens

2:38 da tarde  

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