terça-feira, novembro 09, 2004

Filhos da liberdade

Uma luz forte ofuscava-me a visão, doía-me um pouco do corpo, lembrava-me de ter sido posto a dormir, não sabia o que fazia ali ou sequer onde estava. A sensação de cansaço voltou a apoderar-se de mim, fechei novamente os olhos e a luz forte por cima de mim deixou de brilhar.
Voltei novamente a abrir os olhos, não sei quanto tempo depois de os fechar, a luz forte persistia sobre mim, mas o corpo ressentia-se menos do ardor que antes me atormentava. Continuava sem saber onde estava, que local seria aquele. Abri completamente os olhos e vi um gajo a meu lado, sentado numa cadeira, de pernas cruzadas, lendo um livro, possivelmente esperando que eu acordasse. Estava vestido de preto, tinha com ele um cartão de identificação no bolso do casaco.
Ah, já acordaste. – disse ele.
Onde estou? – perguntei eu de imediato.
Na ala hospitalar. Foi uma sorte teres sobrevivido, elas não foram nada meigas contigo.
Elas? Que se passou? – voltei a insistir.
Não te lembras? Há uma semana que te trouxeram da praia, vinhas em mau estado.
Não, não lembro... – respondi.
Mas começava de facto a lembrar-me de alguma coisa, afinal não tinham sido apenas sonhos que me preencheram a mente durante este tempo que ali passei, eram recordações do que me tinha antes colocado naquela cama.
Uma semana? Praia? – voltei a perguntar.
Sim, estávamos a ver que não voltarias a acordar.
A agente Susana daqui a pouco fala contigo. – disse ele.
Pequenas peças começam a juntar-se na minha cabeça, formando um puzzle, e iam recordando, aos poucos, cada momento que vivera desde que a Daniela me capturou, e mais tarde o envolvimento da Susana, os seus jogos doentios, e também das minhas amigas...
A Elsa?! – perguntei, um pouco apreensivo.
Ele aproximou-se da beira da minha cama, no seu cartão de identificação tinha escrito Carlos Silva.
A tua amiga... Também está connosco.
O gajo recuou e voltou a sentar-se na cadeira.
E a Diana? – insisti com o agente.
Também. – respondeu ele, sem adiantar mais pormenores.
O tipo entroncado retomou a sua leitura, entretanto aproximou-se uma cara que me era familiar, e infelizmente não me trazia boas recordações, tinha a Susana acabado de entrar no quarto.
Carlitos, a Daniela precisa de ti no gabinete dela. – dispensava ela o agente.
Está bem, vou lá ver o que se passa.
O gajo levantou-se e dirigiu-se para a porta de saída do quarto.
Susana, se gostares de brincadeiras a três sabes onde me encontrar. – disse ele, antes de sair, com um ar de gozo.
Sim, gosto. Eu, ele e o caralho dele. Agora sai e fecha a porta. – respondeu a Susana, sorrindo depois para mim.
Ficámos os dois sozinhos naquele quarto, ela aproximou-se da beira da minha cama e sentou-se nela.
João, sabes onde estás? – perguntou ela.
Não. Que me fizeram?!
Calma, calma...
– dizia ela, passando uma mão no meu rosto.
Estás a 50 milhas da costa, num antigo navio cargueiro, agora centro estratégico da Magestic SD6.
Se te portares bem, daqui a pouco tempo estarás lá fora e a trabalhar para nós.

Ela continuou com as suas carícias, fazendo descer uma mão para dentro do lençol.
Susana, quando é que te mentalizas que eu não quero nada desta merda. – começava a irritar-me.
Ela levantou-se da cama e pôs-se mais à vontade, tirou o casaco e desapertou a camisa. Chegou-se novamente à minha beira, levantou a saia e tirou as cuecas, entrou dentro da cama comigo e começou a massajar-me a gaita. Talvez pudesse jogar com isso para me safar dali, não evitei que ela me tocasse e deixei que ela fosse avançando como queria.
Eu tinha somente a bata do hospital vestida, sem roupa interior, ela sentou-se em cima da minha cintura e deixou-se penetrar. Enquanto ela ia balanceando e fodendo comigo, eu olhava para os lados, tentava encontrar ali alguma coisa que pudesse utilizar como arma contra ela. Nada me despertava a atenção, a não ser o tubinho do soro que estava espetado na minha mão.
Susana continuava a usar o meu corpo a seu belo prazer, escutava alguns gemidos seus, aproveitei para lhe perguntar pelas minhas amigas, ali também aprisionadas no navio. Disse-me que estavam no último piso do barco, certamente pensava que eu não fugiria daquela cama para lado nenhum. A sua excitação tomava conta de si, não a alertava para os perigos daquilo que estava a fazer, abracei-lhe as ancas e com a minha mão esquerda tirei cuidadosamente a agulha do soro de dentro da minha outra mão, gritei baixinho de dor, ela nem notou, deve ter pensado que era alguma expressão de prazer e continuou a balancear-se em cima de mim. Passaram imensas coisas pela minha cabeça, mas quando recordei o que eles tinham feito com a Elsa e mais tarde comigo, agarrei firmemente no tubo do soro e enrolei-o violentamente à volta do pescoço da Susana, munido de uma raiva imensa, apertei aquele fio até a asfixiar.
Susana não se deve ter apercebido do meu movimento brusco, quando se tentou libertar já era tarde demais e asfixiou poucos segundos depois. Possivelmente não estaria morta, mas não iria certamente atrás de mim.
Saltei da cama, tentei procurar as minhas roupas e algo que calçar, mas um ruidoso som de alarme tinha sido activado, seguido de uma voz computorizada...
Alerta! Alerta!
Navio sob ataque.
Todos aos seus lugares.
Inundação no casco do navio.

Não tive tempo para procurar as minhas roupas, sai do quarto apenas usando a bata branca que tinha acordado. Algumas pessoas corriam pelos corredores, ouviam-se tiros e o barco balanceava um pouco mais.
Desci pelas escadas de serviço ao piso que a Susana me falou, os corredores eram mais pobres que os dos pisos superiores, menos iluminados, semelhantes aos de um antigo navio de guerra. Não sabia para que lado havia de ir, dum lado tinha a entrada para a cozinha do navio e do outro pareciam pequenos camarotes, possivelmente seria lá onde estariam as minhas amigas. Tinha antes passado por diversos agentes, mas eram sobretudo simples trabalhadores, fugiam na direcção oposta à minha, deveriam estar tão preocupados com o que se estava a passar que nem deram por um maluco a correr de bata branca ao lado deles. As rajadas de tiros tinham-se intensificado, corri o mais que pude, queria fugir dali de qualquer maneira e sabia que o barco estava a meter água, o mais certo seria afundar-se. Curiosamente neste piso não se escutava o alarme nem a persistente voz que me acompanhou na descida dos outros compartimentos daquele navio, talvez fosse este compartimento estivesse estancado e sem comunicações para o resto do barco, isso também significava que quem aqui estivesse antes do navio ser assaltado, ainda se encontraria aqui e fazendo o seu trabalho normal.
O corredor não era muito longo, depressa cheguei à parte de trás do barco, onde estavam alguns camarotes. Os primeiros estavam vazios, noutros vi agentes mortos, baleados e imenso sangue espalhado pelas paredes e secretárias daquelas salas. Fiquei assustado, não fazia a mínima ideia do tinha estado ali a matar aqueles gajos, seriam certamente os responsáveis que antes haviam tomado o navio de assalto e que o queriam afundar. Escutei vozes que vinham da última sala do corredor, pareciam-me familiares, avançava agora cautelosamente, tentando não dar sinal da minha presença, a visão era sempre a mesma, camarote após camarote, pessoas mortas preenchiam o espaço.
Assim que me aproximei da porta, reconheci de imediato a voz da Diana, entrei no camarote e vi a minha pobre amiga ligada a um relógio e qualquer coisa cinzenta no seu colo, pareciam explosivos plásticos. Alguém se aproximou por trás de mim, estava à espera atrás da porta e atacou-me assim que entrei.
Acordei caído no chão, continuava a ver a Diana naquela situação de risco e a Patrícia de volta dela. A Patrícia?! Então tinha sido ela que limpara o sebo aos outros agentes no corredor e me metera inconsciente no chão por alguns momentos. Ela viu que voltei a mim, mas estava demasiado ocupada a tentar salvar a irmã e nem quis saber duma possível reacção minha. Os seus esforços eram inúteis, Diana parecia condenada. O cronómetro aproximava-se rapidamente do zero, Diana disse que tinha sido accionado vinte minutos antes. Alguém teria accionado os explosivos, possivelmente quando o navio tinha começado a afundar. Se a Diana estava em risco de ir pelos ares, talvez também a Elsa o estivesse, fiquei extremamente nervoso e apreensivo, a mulher que amava estava em risco de vida e eu não fazia ideia onde ela pudesse estar.
Diana apenas chorava e dizia à irmã que a perdoava, desconfiava que estaria condenada a passar ali o resto da sua vida, estes últimos quatro minutos que o cronómetro marcava. Num momento de sobriedade da sua parte, disse-me que a Elsa tinha sido levada para o piso inferior. Patrícia tentava desarmar a bomba, estava difícil, começava a desesperar.
O cronómetro entrou no derradeiro minuto, menos de sessenta segundos para uma vida terminar ali, as coisas não estavam favoráveis e pouco mais havia a fazer.
Corram! Não vêem que não há nada a fazer! – gritava a Diana.
Patrícia, chorando, mandava-a estar calada e tentava fazer o melhor que sabia. Era inútil, Patrícia ajoelhou-se diante da irmã e chorava por ela, sabia que iria morrer. Ficou ali paralisada, apenas chorando e agarrando na mão da Diana. Faltavam dez segundos para terminar a contagem, peguei no braço da Patrícia e arrastei-a para fora daquela sala, ela caiu no corredor e fechei a porta do camarote, estancando assim a onda de choque resultante da explosão.
Foram segundos de horror, Patrícia olhava para mim do chão, ouvimos por fim uma explosão.
Ela levantou-se primeiro que eu, quis ir abrir a porta do camarote, agarrei o seu corpo atlético e tentei travar as suas intenções, a visão que iria ter não seria nada bonita. Ela alterou-se, deixara de parecer a doce Patrícia de antes conhecera e lançou-me bruscamente contra a parede. Olhava para ela de perto, tentei impedi-la de abrir a porta novamente e desta vez ela não me afastou simplesmente do seu caminho, usou toda a sua raiva em mim, metendo-me violentamente no chão.
Patrícia abriu a porta que tinha selado, entrou e escutei-a chorar. Levantei-me, um pouco dorido, e entrei também. O corpo da Diana estava irreconhecível, completamente mutilado e espalhado por toda a sala, era uma visão desoladora e bastante emocionante.
A minha bela amiga estava destroçada pela morte da irmã, tentei reconfortá-la, mas ela mostrava-se enraivecida e queria caçar os responsáveis por aquilo. Ela sabia que a Elsa também estava aprisionada naquele navio e tentaria agora que a minha princesa não tivesse a mesma sorte trágica que a sua irmã tivera. Seguindo as últimas palavras da Diana, a Elsa teria sido levada para a parte inferior do navio.
Descemos as escadas de serviço e encontrámos água no chão, sabíamos que teríamos pouco tempo para salvar a nossa amiga, o navio estava a afundar rapidamente e caminhávamos agora com algumas poças de água no corredor.
Íamos na direcção da casa das máquinas, neste piso também não se escutava o ruidoso barulho do alarme, mas escutámos algo vindo de uma das poucas salas que víamos. Aproximámo-nos silenciosamente, pareciam gemidos. Patrícia chegou-se perto, a porta estava encostada, olhou para dentro da sala e sacou imediatamente da sua arma. Assim que ela abriu um pouco mais da porta, o som dos gemidos era mais intenso e facilmente se percebia que estavam ali duas pessoas a foderem.
João, espera aqui. – sussurrou ela.
Que viste? – perguntei, também falando muito baixo.
A Daniela e o Carlitos.
Eles estão a...?
Sim. Fica aqui. – finalizou ela.
Patrícia entrou sorrateiramente na sala, tinha-me mandado esperar, mas queria ver o que iria passar ali. Era uma arrecadação, pouco iluminada, ao fundo estava a Daniela sentada numa bancada e o outro agente a comê-la, não estavam completamente despidos mas estavam bastante entretidos, isso poderia dar-nos alguma vantagem. Certamente não teriam escutado o alarme do barco e não saberiam de nada do que se estava a passar nos pisos superiores.
Patrícia, possuída pela raiva e desejo de vingança pela morte da irmã, levantou-se do chão e avançou na direcção deles, disparou primeiro sobre a Daniela, atingindo a gaja no ombro. O Carlitos atirou uma peça de roupa para cima da Patrícia, o seu casaco de agente, e conseguiu conter parte da cólera da Patrícia, agarrou-a nos braços e debatiam-se agora pela posse da arma. Daniela sangrava do ombro, preparava-se para sacar a sua arma, perdida nalguma peça de roupa despida, tentei imobilizá-la, saltei para cima dela e rebolámos no chão frio da arrecadação. Não estava a ter a força necessária para a conter, ela ficou por cima de mim e tentava partir-me o braço, torcendo-o com todas as suas forças e eu debatendo-me para me libertar, enquanto com os seus pés, vasculhava nas suas roupas pela arma que tanto queria.
A Patrícia e o Carlitos lutavam, a arma tinha sido lançada para longe e usavam agora apenas a força dos seus corpos para se tentarem parar. A Daniela não conseguia encontrar a arma caída, continuava a apertar-me o braço, mas cedeu um pouco na força que fazia e consegui libertar-me. Alguma água tinha entrado já pelo compartimento, a arrecadação inundava-se rapidamente e nós os quatro continuávamos a debater-nos.
Patrícia conseguiu apanhar o pescoço do agente Carlitos e lançou aquele cabrão com todas as suas forças contra a parede, ele ficou meio inconsciente, depois com um movimento repentino, Patrícia agarrou-lhe novamente no pescoço e partiu-o. O gajo caiu imediatamente no chão, a água que havia entrado cobria grande parte do seu corpo. Debatia-me com a Daniela no chão e com a água submergindo grande parte dos nossos corpos, Patrícia veio em meu auxílio e afastou a Daniela de cima de mim. Esta caiu perto de algumas ferramentas, agarrou numa chave de fendas e bateu ferozmente na Patrícia, que acabou por cair a meu lado e bastante queixosa de uma costela.
A água continuava a subir rapidamente, levantei a cabeça da Patrícia do chão para ela não se afogar. Daniela não encontrou a sua arma e preferiu sair dali depressa a ter de me enfrentar, não corri atrás dela, tinha de manter a cabeça da Patrícia à tona de água. Ajudei a minha amiga a levantar-se, ela voltou a abrir os seus lindos olhos, Daniela já tinha escapado, fomos procurar a Elsa, era esse o nosso objectivo agora.
A casa das máquinas ficava a poucos metros dali, presa a um dos motores do navio estava a minha bela Elsa, inconsciente e com água pela cintura. Desamarrei as cordas que a prendiam, não tinha explosivos à sua volta, e imediatamente a carreguei ao colo. O nível da água continuava a aumentar rapidamente, conseguimos alcançar as escadas para o nível superior, estavam manchas de sangue no corrimão, a Daniela teria passado por aqui.
Agora sem água por perto, deitei a doce Elsa no corredor e a Patrícia deu-lhe qualquer coisa a cheirar, isso despertou-lhe os sentidos.
João?! – dizia ela, ainda combalida.
Sim, linda. Consegues andar?
Acho que sim.... – respondeu ela, mas parecia exausta.
Vamos, temos de alcançar o convés superior e sair daqui. – disse a Patrícia.
Subimos outro lance de escadas, o percurso até ao convés parecia interminável, começa a sentir cansaço no corpo e parte dele ia ficando dormente com o frio que sentia. Tinha apenas a bata branca que acordei vestida, descalço e pisando o chão gelado, iam-me faltando as forças para continuar.
Chegámos ao piso superior do navio, a torre de controlo era à nossa frente. Avistámos manchas de sangue, como não haviam corpos por perto, pensámos que seriam da Daniela. Começámos a sentir um intenso cheiro a gás assim que subimos aquelas escadas, teríamos ainda de atravessar um longo corredor inteiro até à torre de controlo do navio. Patrícia conseguiu identificar o gás, ser-nos-ia fatal se tentássemos atravessar todo o corredor sem qualquer bolsa de oxigénio.
Estávamos numa área de laboratórios, o quarto onde tinha acordado naquela noite ficava a poucos metros dali, Susana ainda deveria lá estar dentro, mas nada me faria voltar atrás para o confirmar. O gás fazia-se sentir cada vez mais, entrámos rapidamente para um dos laboratórios selados e esperámos que o potente sistema de ventilação nos ajudasse. Os laboratórios eram separados entre si por uma porta envidraçada, faziam um total de seis em cada lado do longo corredor, precisaríamos de os atravessar todos para chegar à entrada da torre de controlo. A Daniela teria passado ali, algumas manchas de sangue espalhadas pelo chão denunciavam a sua presença nas instalações, curiosamente seguiam na mesma direcção que nós. Atravessámos sala após sala, eram estanques e o cheiro a gás não se notava, estávamos então de fronte para a porta que nos dava acesso ao último laboratório que teríamos de passar. No seu interior, estavam cães enjaulados que ladravam ruidosamente, eram dobermans, ainda não tinham farejado o nosso cheiro, os laboratórios eram estanques, logo, estaria alguém naquele compartimento que os inquietava.
Patrícia preparou-se para a possibilidade da Daniela estar naquela sala, agarrou num bisturi e abriu cuidadosamente a porta que separa os laboratórios. A visibilidade dentro da sala era fraca, as luzes estavam fundidas, talvez propositadamente, não avistámos quaisquer movimentações dentro do laboratório para além dos cães nas jaulas. Avançámos com prudência, Patrícia foi na frente, armada com um bisturi... Demos três passos dentro do laboratório, mal víamos a porta que dava acesso para o corredor principal, vi algo que me pareceu uma sombra a deslocar-se e a Patrícia foi lançada contra a parede, essa sombra era a Daniela. Debatiam-se as duas, Daniela sangrava cada vez mais, Patrícia tentava cortá-la com o bisturi, levei a Elsa para junto da porta que dava para o corredor e aproximei-me das jaulas dos cães. Não sabia que fazer, se interferir na luta delas, ou tentar arranjar uma solução diferente, pedi à Elsa que abrisse a porta que nos tiraria dali e fui procurar as chaves que abririam as jaulas dos cães, seria arriscado libertá-los mas poderia ser que resultasse. Encontrei as chaves numa secretária, onde ao lado estava uma pessoa morta, baleada no peito, estaria certamente ali a trabalhar quando os amigos da Patrícia tomaram o navio de assalto. Foi uma sorte tê-las encontrado, mal se viam no meio de tão pouca luminosidade. Elsa já tinha aberto a porta do laboratório, as duas agentes ainda lutavam com todas as suas forças, fui então desbloquear os cadeados das jaulas dos cães. Os ferozes animais continuavam a ladrar, mas permaneciam dentro das jaulas, mandei a Elsa suster a respiração para evitar o gás lá fora e sair dali, corri para junto da Patrícia e arrastei-a pelo braço para longe da Daniela. Os cães começavam a sair das jaulas, saltavam para o chão do laboratório, atraídos pelo sangue da Daniela e começavam a cercar-se dela. Deu tempo para sairmos dali de dentro e fechar a porta do laboratório, Daniela ficou entregue ao apetite dos dobermans, enquanto a Patrícia abria a porta da torre de controlo, assisti ao ataque feroz e sem piedade dos cães à Daniela, esta pobre rapariga ficava totalmente triturada pelas poderosas mandíbulas destes animais. Não consegui ver mais, assim que a Patrícia abriu a porta da torre de controlo, corri lá para dentro, ainda sustendo a minha respiração e algo emocionado com a morte violenta da Daniela.
O barco tinha-se inclinado bastante, todos nós pressentíamos que o casco estava prestes a quebrar e acabaria por afundar o resto do navio. Patrícia tinha-nos levado até à torre de controlo, ponto mais alto do barco, ainda longe das águas agitadas do Atlântico. O tempo chuvoso não ajudava, ainda era de madrugada, mas conseguia ver através das janelas as ondas do oceano a destruírem aquele grande navio, já pouco restava dele, mais de metade estava submerso e lutávamos agora pela nossa sobrevivência, tentando chegar aos barcos de apoio que a Patrícia havia jurado estarem lá para nos salvarem.
Na torre de controlo estavam corpos de marinheiros estendidos no chão, ensopados no seu sangue agora coagulado. Patrícia abriu a escotilha que nos separava do convés e mandou-nos avançar. Senti algo em mim, qualquer coisa que me fez parar e agarrar a Elsa pelo braço.
João, que se passa? – perguntou-me a Elsa.
Fiquei paralisado por momentos, a chuva lá fora, o afundamento do barco e a rápida intervenção da Patrícia fez-me temer que algo de mal nos pudesse vir a acontecer assim que passássemos aquela porta.
Vamos, despachem-se! Não temos o dia todo. – insistia a Patrícia.
Calma, quem são esses teus amigos que nos esperam lá fora? – perguntei-lhe.
Amigos que nos vão tirar daqui. Se não te despachas, daqui a pouco estaremos a servir de alimento aos peixes.
Mas que amigos? Patrícia, diz-me quem são e porque fizeram isto tudo!
Temia que fugisse das garras da Magestic SD6 e me fosse meter na boca do lobo, outra agência qualquer que nada estaria interessada no meu bem estar, sendo eu apenas um meio para chegar a um fim desejado.
Peguei na arma de um dos marinheiros mortos, a coragem tomou conta dos meus movimentos e apontei-lhe a pistola friamente, na esperança que ela me esclarece o que realmente se estava a passar.
Ela não se mostrou intimidada e sacou da arma de outro marinheiro, apontando-a mesmo entre os meus olhos.
João, não me obrigues a usá-la. – disse ela.
Não... Parem com isto! – gritava a Elsa, começando a chorar.
Ficámos por momentos paralisados, eu já não queria que ela me contasse nada, via-me agora numa situação que não conseguiria controlar e só queria sair dali novamente. Patrícia tinha antes aberto a porta para o convés, possivelmente alertado pelo meu tom de voz, entrou um gajo na torre de controlo, todo vestido de preto e com um gorro enfiado na cabeça.
Is everything alright? – perguntou ele à Patrícia, apontando uma metralhadora na minha direcção.
Yes, it’s ok. We will be out in a minute. – respondeu ela, nunca desviando o olhar de mim.
Tudo ficava cada vez mais estranho para mim, os amigos que a Patrícia falara eram americanos e eu não fazia a mínima ideia que tinham vindo estes gajos fazer a bordo. O militar saiu da torre de controlo e foi para a chuva, esperando por nós lá fora. O metal do navio começava a ranger, iria afundar em breve e eu continuava paralisado, sem saber se ficava e morria afogado ou enfrentaria a minha sorte com estes tipos.
João, que pensas fazer? Não vou morrer aqui com vocês. – perguntava a Patrícia.
Eu continuava de arma em punho, apontada a ela, mas nunca tive a intenção de disparar. Elsa abraçou-me e encostou a sua cabeça no meu braço, distrai-me e a Patrícia aproveitou para me desarmar, sem grande esforço.
Estúpido, João! As armas funcionam melhor sem a patilha de segurança posta. – gritou ela.
Tinha sido parvo em confrontá-la daquela maneira, tão depressa me arrependi como saquei daquela arma.
O navio inclinou-se mais um pouco, a parte da frente deveria estar já completamente inundada e a situação começava a ficar caótica, peguei na mão da Elsa e corremos para o convés, seguindo a Patrícia. Tivemos de saltar para as águas geladas do Atlântico, estavam dois barcos pretos com formatos pouco vulgares nos esperando, nunca antes tinha visto barcos assim. Entrámos a bordo de um deles e fomos imediatamente agasalhados com cobertores, continuava a sentir um frio imenso e tremia bastante.
À medida que nos afastávamos a toda a velocidade, consegui espreitar por uma janela e avistar o grande navio sendo completamente consumido pelas águas agitadas. Pensei na Diana e não morte trágica que lhe calhou em sorte, olhei para a patrícia e pela primeira vez a vi chorar, ali estava ela encostada num assento e passando a mão pela cabeça, enxugando algumas lágrimas que lhe escorriam pelo lindo rosto.
Melhor sorte não tive a Daniela, morrer daquela maneira, nada inglória e a pobre Susana, perdida num quarto hospitalar de um cargueiro e sem grandes perspectivas de salvação. Onde estaria ela agora? Viva ou a caminho do fundo oceano Atlântico? Não sei. Que poderiam estas brilhantes raparigas ter sido se não tivessem enveredado por uma carreira de risco, isso nunca saberei, estragaram a sua oportunidade para fazerem algo neste mundo, levando consigo muitas outras vidas inocentes e que nada tinham a ver com os seus propósitos.
O frio que sentia no corpo era cada vez menos, os cobertores estavam a ajudar. Beijei a Elsa e levantei-me do meu assento, de encontro à Patrícia. Tentei reconfortá-la, seria grande a sua dor, a sua irmã estava morta e ela sentia parte da responsabilidade.
Abracei a Patrícia, cheguei aquela bela mulher junto do meu peito e tentei apaziguar a sua mágoa. Ela recompôs-se, talvez não quisesse mostrar a sua faceta mais sentimental nem relevar o frágil que ela era, sendo para mim sempre a doce Patrícia, escondida debaixo de uma máscara de mulher fatal, fria e calculista. Tentei que ela me esclarecesse as imensas dúvidas que em assolavam a cabeça, ela remetia-se ao silêncio, olhava simplesmente para mim.
Patrícia, que foste fazer naquele navio? E quem são estes homens?
Ela olhou novamente para mim, mas desta vez falou, talvez tenha sentido que era inútil permanecer calada.
Contou-me de maneira resumida, ainda enxugando as suas lágrimas, o que tinha feito desde o momento que se despediu de mim no hotel em Palma de Maiorca. Nesse dia seguinte, ela tinha partido para Nova Iorque e levado uma pequena comitiva de operacionais da Magestic SD6, a sua missão correu mal e tinham sido capturados por uma agência governamental americana. Apenas ela sobreviveu desse grupo, foi libertada mais tarde para ajudar a capturar uma célula da Magestic SD6, uma organização poderosa que tinha apenas como fim o lucro imediato proveniente da venda de armas e material de guerra em países do terceiro mundo.
Quando soube que a Diana tinha sido capturada pela sua antiga agência, participou de modo activo no desmantelamento da mesma e foi assim que tinham cercado o barco naquela noite.
O dia já tinha nascido, alguns raios de Sol iluminavam o interior deste pequeno e moderno transporte, que nos transportava para parte inserta. A Patrícia continuava a falar comigo, Elsa tinha-se chegado para junto de nós para se aquecer e ouvia ela também as palavras da Patrícia. Tínhamos que lhe estar gratos por nos ter salvo, mas quais seriam as repercussões disso? Para onde nos levavam agora e o que seria feito de nós? Eram tudo duvidas que nem a patrícia me sabia esclarecer, talvez os agentes do governo, que nos olhavam de lado e de arma na mão, nos soubessem dizer, mas desses nada saberíamos, permaneciam imóveis, observando-nos.
Patrícia, continuo sem perceber uma coisa...
Diz, João.
Porque se deram a tanto trabalho para me recrutarem? – perguntei.
Não sei bem, apenas segui uma missão que me mandaram. – argumentou ela.
Eu sabia que ela me escondia algo, talvez não quisesse desvendar agora.
Ela fez um sinal qualquer para um dos agentes governamentais e ele cercou-se de mim e a da doce Elsa, apontou uma pistola na sua direcção...
Desculpa, João. Tem de ser. – dizia a Patrícia.
Não tive qualquer reacção a não ser de espanto, ele disparou sobre a Elsa, não era uma bala, parecia um dardo, e depois sobre mim. Apaguei por completo, tudo se fez preto na minha cabeça.
Começo a saborear algo salgado na boca, escutava o mar, parecia a rebentação das ondas numa praia, olhei para o lado e vi a Elsa, estendida na areia, ainda dormindo. Era mesmo uma praia, estava um Sol forte sobre nós, não havia qualquer sinal da Patrícia e dos seus amigos americanos.
Acorda, linda. – insistia com ela, abanando o seu corpo.
Ela voltou a si alguns momentos depois, abraçámo-nos e trocámos alguns beijos, estávamos salvos, um pouco fracos enfim, mas livre do terror que tínhamos vivido nos últimos dias.
Não reconheci aquela praia, estávamos fracos demais para caminhar e deixámo-nos ficar ali naquela areia.
Abraçámos os nossos corpos, trocámos um beijo e voltámos a adormecer.