terça-feira, setembro 06, 2005

Jardim de Perfumes

Acordei para um novo dia, poucos passados da minha chegada de Cuba. Tentava retomar o mundo que na minha terra deixei, as saudades eram enormes, os desejos maiores. O tempo parecia sempre escasso, tanto havia a fazer.
Estava sem carro, vendera o meu quando me desfiz de tudo o que me prendia a este país. Mantinha no corpo uma necessidade por velocidade, bem mais que a dos autocarros do Fidel ou dos barcos desportivos do Antony. Queria mais, queria algo meu. Apetecia-me novamente acelerar, não correr descalço rua fora, passei então pelo banco para me certificar que o dinheiro de Cuba já tinha chegado.
Liguei de imediato ao meu amigo Zé Luís, passámos em revista alguns stands. Aquele dinheiro não compraria um Ferrari, mas engracei por um modesto alemão. Fiquei-me pela loja da Audi, passei lá poucos dias depois para levantar o A4. sobre o assento do passageiro vinham quatro entradas para um desfile em Lisboa, de um criador de alta costura, na sexta-feira seguinte. Não era algo que me agradasse tanto quanto o furor que a vendedora fez ao me indicar os convites, mas as modelos de certeza que haveriam de compensar a ocasião. O Zé e o Rui que me acompanharam no levantamento do carro, aceitaram de imediato o convite, sobrava um.
João, porque não convidas a Elsa? – perguntou o Rui.
Fez-se algum silêncio no interior do carro, nem eu sabia porque não tinha pensado nela antes.
É melhor não, há muito tempo que não a vejo. Não sei como iria reagir. – desculpei-me.
Não sejas parvo, fala com ela. – insistiu ele.
Os dois dias que nos separavam do desfile passaram rapidamente, não tinha ainda telefonado à Elsa e resolvi não o fazer em cima da hora. O Zé antecipou-se e convidou uma amiga nossa, a Sónia. Parecia-me mal pensado, ela e a Elsa eram colegas de trabalho no mesmo hospital, o meu esquecimento forçado da Elsa poderia vir a ser mal interpretado.
Entretanto, o convite estava entregue e agora usado, o Zé fez questão que ela fosse, era a sua nova namorada. O desfile prosseguia como esperado, gente fina a trocar futilidade e mulheres boas passando roupa que não era delas.
O melhor veio depois, o jantar servido foi bem regado, não faltava de nada para quem se quisesse servir. Via-se de tudo por estes lados, mulheres lindas tentando trepar degraus numa jovem carreira e algumas celebridades limpavam o pó branco sobre os espelhos das mesas. Era algo decadente aos olhos virgens de quem a tudo isto tomava um primeiro contacto, refugiei-me então no bar do hotel Marriot, onde o bacardi e a cevada me eram muito familiares.
Passava das nove e meia da noite quando olhei novamente para o relógio, nada mais me era servido pelo bar.
Sónia, onde vamos agora? – perguntava o Zé.
Ela levou-nos rumo à Costa da Caparica, ao bar Pé Nu.
Deixei o Rui conduzir o meu carro, o segurança do hotel só me entregou as chaves depois de lhe garantir que não pegava no volante daquele carro. Desconfio que ele não estivesse muito preocupado comigo, mas estragar um carro daqueles seria um crime. Não insisti com ele, pareceu-me um gajo porreiro e pela primeira vez na vida dissera algo inteligente, havia de lhe dar algum crédito.
Depressa chegámos à Costa, o Rui estacionou cuidadosamente próximo da entrada do bar. Os ponteiros do relógio marcavam poucos minutos depois da dez, vínhamos abrir o bar. Sónia estava impaciente, esperava um amiga, não dizia a ninguém quem era. Tinha a certeza que eles dois sabiam, nunca antes os vira tão calmos e sossegados sabendo que viria gado novo se juntar ao grupo.
Acabámos por entrar no bar sem a amiga secreta, dela nem sinal, apenas a minha curiosidade.
Descalcei os sapatos, pisei docemente as areias daquela praia e encontrei o meu lugar numa espreguiçadeira. Novamente de copo na mão, curava o meu estado alcoolizado com imperial, acabaria por me fazer bem quando mais tarde a despejasse.
A noite permanecia quente, via o mar de onde estava sentado, bem perto de mim. O bar ia animando, a música tocava a gosto, o calor ia aumentando. Contudo, sentia um vazio enorme dentro de mim.
A casa estava agora mais composta, as meninas caminhavam sobre as areias húmidas daquela praia, passeavam a sua essência, deixavam o seu pólen no ar. Observava atentamente cada uma, dali bem sentado de imperial na mão e com grande excitação. Como as adorava ver desfilar, ali estavam as verdadeiras modelos do mundo que nos rodeia, dali as admirava e desejava.
Pedi outra imperial, deixei de parte o bacardi nas luzes da passarela, soltava o meu mundo entre copos de álcool, como se as suas portas fosse arrombando aos poucos.
Sónia veio ter comigo e trazia uma amiga consigo, finalmente chegara parecia bonita, ainda a via ao longe e completamente enevoado pelos vapores de outros sabores. Aproximaram-se, limpei os meus olhos carregados, esta misteriosa mulher uma mão me estendeu e com a outra o copo me afastou. Deveria ser um anjo, estaria eu assim tão bêbado que não vira logo quem seria ela, a doce Elsa. Continuava linda, há quatro meses que me despedira dela e não mais a vira, pouco antes de me escapar para Cuba.
Quando a tentei esquecer, deixei de saber amar, foi toda uma paixão que adormecera, um carinho que nunca desaparecera. Estava cada vez mais bela, tinha-se tratado bem, a sua doçura de menina permanecia intacta.
Ficámos em silêncio, a Sónia inventou uma desculpa e deixou-nos a sós.
Ainda te lembras de mim? – perguntei-lhe, passando a mão no seu braço.
Elsa sorriu, sentou-se a meu lado na longa cadeira.
Sim... do sabor dos teus lábios. – respondeu, timidamente.
Tens de deixar de dizer isso.
O quê, João?
Coisas que me dão vontade de te beijar.
Tu também.
– acrescentou ela de imediato.
Sentia o paladar da cerveja a fugir, outros aromas tomavam conta de mim.
Será que me consigo enganar a mim próprio cada vez que olho para ti e não digo que te amo?
Elsa voltou a sorrir.
É complicado resistir-te. – soltava-lhe estas palavras.
Tonto, não resistas então! – exclamou, aproximando-se um pouco mais.
O meu estado inebriado incapacitava-me alguns movimentos espontâneos, aguardei na expectativa pelo seu calor.
E tu, lembras-te de mim? – perguntou ela.
Sim, do calor do teu corpo...
Elsa interrompeu-me, as suas mãos agarraram nas minhas, os nossos pés descalços cruzavam-se na areia. Era inevitável, não havia quantidade de bacardi que me fizesse parar agora. Os nossos lábios juntaram-se.
E que mais te lembras, João? – insistia ela, brincando com a minha língua.
Recordo-me da tua boca...
Ia descendo lentamente os lábios pelo seu rosto.
Do teu pescoço... – sussurrava-lhe, depois de ali a beijar.
A minha cabeça entrava no seu decote.
Do teu peito.
As mãos macias da Elsa passavam no meu cabelo, o seu perfume fazia-me despertar sentidos adormecidos. Cheguei-me perto do seu rosto, passei a mão suavemente pelo seu peito redondo e a cabeça nos seus seios encostei. Ali ficámos, abraçados, esperando que algo nos perturbasse.
Que passaria nas cabeças de cada um naquele momento?
Seria necessário pensar-se em algo? Talvez sim, não me recordo.
O tempo foi passando, o bar acabara por fechar. Nada mais soubemos do Zé, Sónia e Rui até à hora que nos fomos embora. Parecia uma romaria de pessoas e carros naquele parque de estacionamento, voltei a pensar nas palavras do segurança do hotel Marriot, toda aquela parvoíce me ficara gravada na memória. Entreguei então as chaves à Elsa, ela havia trazido o seu carro, mas a Sónia fez o favor de pegar nele e levar o Rui e Zé a casa.
Cerca de duzentos metros de terra batida separavam o Pé Nu da estrada principal, dezenas de carros desviavam-se de buracos e pequenos desníveis na estrada. O ritmo era lento, Elsa conduzia com precaução.
Olha, ainda bem que te trouxe o carro...
Ali à frente para estar a polícia.
– disse ela, vendo melhor que eu o que se passava.
Metros mais à frente, também me parecia ver uma operação policial. Tinha os olhos ofuscados pelas luzes e com aquele grau de alcoolémia seria bem capaz de lhes rebentar a máquina.
Os carros abrandavam, mas não paravam. Os polícias observavam atentamente cada carro, como se algo procurassem, deixavam a caravana que vinha do bar, mas impunham um ritmo lento numa estrada já de si atribulada. Chegava a nossa vez, o polícia olhou e comentou algo com o colega...
Mandaram-nos encostar, todos os outros carros continuavam a circular, inclusive a Sónia que havia sido mandada encostar e rapidamente retomar a sua marcha. Elsa nada temia, não tinha bebido álcool, nada iria acusar.
Um dos polícias dirigiu-se à sua porta, o outro permaneceu encostado à minha. Estavam dois carros parados em frente, Mercedes classe E pretos com as luzes da brigada de trânsito.
Saia do carro, se faz favor. – disse um deles para a Elsa.
Ela saiu e soprou no balão. Pouco depois vinha o resultado, a menina ficou alarmada, o polícia pegou-lhe de imediato pelo braço e foi colocada dentro de um dos Mercedes. Saí rapidamente para saber o que se passava, o outro agente agarrou-me e meteu-me à força dentro do outro Mercedes. Trouxe consigo a máquina que havia ficado caída sobre o capot do meu carro, nela acusava quatro vezes do que o permitido por lei. Algo de muito errado se passava, Elsa não bebera uma única gota de álcool. Não tivemos qualquer reacção, éramos detidos sem razão. Os Mercedes arrancaram dali depressa, um dos agentes ficou para trás na posse do meu carro. Nada mais soube da Sónia e dos meus amigos, havia sido tudo tão rápido.
Tinha um gorro enfiado na cabeça, estranhos métodos policiais, escutava um som que me parecia familiar. Estávamos a atravessar a ponte sobre o Tejo, descortinava este ruído pelo forte passar das rodas dos carros sobre as faixas metálicas, centrais da ponte. O carro mais tarde parou, minutos depois, a agitação parecia grande, escutava várias vozes presentes na minha chegada.
Fui levado para uma sala iluminada, sentaram-me numa cadeira desconfortável e amarraram-me as mãos. Fiquei ali largado durante algum tempo, nada mais escutava para além da minha respiração ofegante. Senti alguém entrar na sala, uma porta se fechou em seguida. Tirou-me o gorro da cara, não queria acreditar no que os meus olhos viam.
Olá, João. – disse Patrícia.
Olá o caralho! Que faço aqui? – perguntei, irritado.
Tinha saudades, apeteceu-me ver-te.
Deixa-te de merdas, que queres?
– insisti.
Como estás? – desviava ela a conversa.
Fiquei enervado, depois de tudo o que se passou e o rumo que me fez levar, a minha ausência forçada em Cuba, o meu corte de relações com quem amava, após as portas do meu mundo trancar. Pensei que me tivesse finalmente visto livre de todos estes fantasmas do passado, desta mulher e do que ela representava, como me enganei.
Raptaste-me e à Elsa só para me dizeres isso?
Sim, só por isso.
– respondeu ela, cinicamente.
Foda-se, não tens telefones?
João, já reparaste no preço das chamadas? Assim é mais fácil falar contigo e preciso da tua ajuda.
Continuava sem perceber a razão de me terem levado para ali, estava preocupado, o álcool desde há muito que havia sido forçosamente destilado. Começava a suar, a tensão aumentava e temia pela minha segurança.
Patrícia desviou-se um pouco de mim e encostou-se ao espelho que abrangia toda uma parede daquela sala.
Laura, podes entrar. – disse alto.
Entrou uma bela mulher na sala, reconhecia aquela cara do desfile da tarde, estava misturada com os presentes. Pegou numa cadeira e chegou-se junto da minha. Tentei afastar-me, inclinando-me para trás, não havia muito por onde fugir.
Tem calma, não te vou fazer mal. – disse aquela mulher.
Patrícia saiu da sala, fiquei completamente entregue aos cuidados desta mulher diante mim, que tanto tinha de bela como assustadora. Senti alguns arrepios, a sua presença intimidava-me.
Ela levantou-se e virou a minha cadeira para o monitor que se encontrava atrás de mim.
Olha bem para o que te vou mostrar agora.
A segurança de quem gostas pode bem depender disso.
– alertou-me ela.
Pensei imediatamente na Elsa.
Não irei repetir, nem tu terás segundas oportunidades. – acrescentou.
Apareceu uma fotografia no monitor, Laura começou de imediato com a descrição do que pretendia. Ele chama-se Heitor, tem 30 anos e era um agente graduado da organização. O seu crime foi grave, copiou e vendeu uma lista com todos os nomes dos agentes activos na Europa e as suas localizações à Agência terrorista Magestic, a mesma responsável pela morte da Diana.
Tudo aquilo acontecera um ano antes, apenas há duas semanas se apurara quem o fizera.
Que tenho eu a ver com isso? – perguntei.
Sólida nas palavras, nem se dignou a desviar o olhar e responder-me. Entretanto, foi dizendo que ele conhecia todos os agentes da organização e os seus métodos. Queriam apanhá-lo vivo e apurar toda a extensão daquela grave fuga de informação.
Sim, e porquê eu?
Desta vez ela respondeu, disse-me que tinha sido ele um dos responsáveis pelo novo rumo que a minha vida agora levava, me tinha forçado a fugir para Cuba e pela morte prematura da minha amiga Diana, a irmã da Patrícia.
Além disso, a Patrícia engraçou contigo. – acrescentou ela.
O Heitor estava num complexo de luxo perto de Huelva, aparentemente bem recompensado pelo que tinha feito. Pedi-lhe que resolvessem eles toda aquela situação e me enviassem para casa com a Elsa, a agente nem quis escutar o resto das minhas palavras.
As coisas não funcionam assim. – dizia ela.
Aparecia agora a imagem de uma mansão enorme, no monitor.
O Heitor é muito inteligente, facilmente desconfiaria que alguma operação tinha sido montada e memorizou praticamente todas as caras desta organização. Infelizmente, precisamos de ti. – acrescentou ela.
Tentava encontrar justificações para não me mandarem para aquele cenário, não era nenhum terrorista, não tinha qualquer preparação para o apanhar e nem saberia por onde começar.
Eu não me preocuparia muito com isso, só precisas de pensar que tens de acabar a missão e recuperar a Elsa.
Laura jogava baixo, tocava-me num dos pontos fracos. Continuava com as suas palavras frias, mostrando-me algo que tinha obrigatoriamente de prestar atenção, algo que ali me levaria. Explicou-me que a Agência tinha recebido um alerta que o Heitor estaria presente na festa de aniversário do Sheik Rashid Al Maktoum a decorrer naquela mansão. Seria a oportunidade ideal para o capturarem, tudo estaria tratado, apenas teria de me misturar na festa, encontrar e trazer o Heitor até Lisboa, pela força se necessário.
Pronto, por hoje acabámos. – finalizava ela a palestra.
Aproximou-se da minha cadeira, onde me encontrava de mãos amarradas, injectou-me algo no braço. Senti-me adormecer.

Escutei um telemóvel a tocar, abri imediatamente os olhos, mas deixei acabar de tocar. Ainda me sentia incapaz de despertar, os braços estavam pesados e as pernas dormentes.
O telefone voltou a tocar, um Motorola ao lado da cama.
A tua missão começou. – escutava do outro lado da linha.
Não reconhecia aquela voz, depressa me deu as primeiras indicações.
Quando acabares, passa pela recepção.
Nada mais me disse, desligou a chamada.
Continuava deitado, olhava em redor e via o que me parecia ser um quarto de hotel.
As cortinas estavam corridas, no relógio do telemóvel marcava seis e vinte da tarde. Havia passado quase um dia a dormir, tinha o corpo dorido e a cabeça queria rebentar. Seguia sem pressas as indicações que me haviam sido dadas, estava um fato sobre uma cadeira e uns sapatos pretos ao lado. Dentro de um bolso do casaco encontrava-se a chave de um Porsche e a minha nova identificação no outro. Olhei ao espelho, a imagem agradou-me. O fato Armani, os sapatos Gucci e a chave de um Porsche facilmente seduzem o gosto de um homem.
Estava na hora de sair, abandonei o quarto e esperei na recepção. Nada me disseram, uma menina chegou ao balcão e apenas um envelope me entregou. Ali vinham novas instruções, fui então buscar o carro ao parque do hotel e acelerei para Islantilla, parecia perto pelo mapa que vinha no envelope.
Depressa cheguei perto da mansão onde decorria a festa, o nervosismo aumentava à medida que me fui aproximando. Parei o carro antes da entrada principal, via ao longe alguma movimentação naquele portão. Telefonei para o único número que estava na memória do telemóvel, a mesma voz que me despertou, atendia-me agora a chamada.
Tens um convite no porta-luvas. Entrega-o na entrada.
Nada mais me disse, desligou a chamada.
Cerca de cem metros me separavam daquela festa, seria agora o último momento para dissipar todas as dúvidas que me importunavam, esconder o medo intenso que me acompanhava. Voltei a ligar o motor do Porsche, gostava deste som.
Cheguei-me próximo do desconhecido, aqueles últimos metros foram feitos em marcha lenta, as mãos suavam, os pés tremiam. Uma menina aproximou-se do carro, fez cair o seu corpo sobre a pintura do Carrera, estendeu a mão, aguardava por algo. Entreguei-lhe o convite, ela leu e comunicou algo para os seus colegas. A segurança parecia apertada, apesar de discreta, continuava a tremer e o nervosismo não era facilmente escondido...
Mandou-me entrar. Suspirei, foi como um alívio, escutar aquelas palavras.
Entrei devagar, um pouco a medo, as portas do desconhecido tinham-se aberto. Contornei a fonte e parei junto à entrada da luxuosa mansão. Rapidamente um jovem veio ter comigo e pediu-me que lhe entregasse as chaves para estacionar o carro, parecia-me má troca, trocar aquelas chaves por uma simples chapa de metal.
Entrava num ambiente luxuoso onde mulheres lindas passeavam os seus corpos, cheios de jóias e outros adereços. Algumas deveriam ser acompanhantes contratadas, eram demasiado elegantes para andarem com estes tipos engravatados.
Andei alguns passos, tinha como objectivo inicial misturar-me com os convidados e procurar rapidamente o Heitor. O telemóvel voltava a tocar, desta vez era uma mensagem de imagem, nada vinha escrito, mas no visor mostrava quase uma cópia do que estava a ver ao longe. Era de um número não identificado, parecia uma fotografia quase tirada sobre mim, nela via mesma parede de fundo, o mesmo chapéu alto que uma mulher usava e no centro da imagem parecia-me estar quem procurava.
Tinha toda uma festa para atravessar, peguei num copo de champanhe e vagueei pelos convidados. Parecera-me ele na fotografia, tentava chegar até ela, mas há algum tempo que deixara de o ver.
Queria despachar isto, mas não sabia como o levar até Lisboa. Tudo me parecera demasiado complicado, mal planeado e estava um pouco amedrontado. Para complicar as coisas, alguém chocou comigo, fez o champanhe salpicar sobre o meu fato.
Desculpe!
Não faz mal.
– respondi de pronto, ainda de costas voltadas.
Acabei de me virar, essa pessoa ali continuara parada.
Português?! – dizia-me agora.
Parecia-me a pessoa da fotografia, era o Heitor, tinha quase a certeza. A minha mão tremeu, a minha expressão alterou-se e fiquei sem saber o que lhe responder. Ele continuava ali parado, à minha frente, talvez aguardando por uma palavra minha. Entretanto, chegou uma mulher junto de nós, o olhar dele desviou-se para lhe dedicar total atenção. Como era bela, pareciam conhecer-se, ela rapidamente lhe pegou pelo braço.
Heitor, é teu amigo? Bonito ele. – disse a jovem, num português perfeito.
Sim, penso que sim. Infelizmente não fala. – respondeu ele.
A presença daquela mulher fez-me relaxar um pouco, baixei o copo e senti-me capaz de dizer algo.
Peço desculpa, sim, sou português.
As palavras saiam intermitentes, mas perdia-me nos olhos escuros daquela mulher.
É a primeira vez que aqui venho, não contava que alguém me abordasse. – tentava mostrar alguma timidez, escondendo o intenso nervosismo que me corria nas veias.
Acontece, meu caro. Quando aqui entrei pela primeira vez também estava envergonhado, vagueando de copo na mão.
Confesso que estes snobs também me metiam medo e causavam embaraço, mas as mulheres deles sempre valeram a pena serem apreciadas.
Por isso, aqui continuo a vir.
– acrescentou Heitor, sorrindo depois.
Soltei um sorriso também, escondia parte dos meus nervos.
Cláudia, toma conta do rapaz. Vou ter com vocês mais tarde. – disse ele para a bela mulher.
Já agora, caro amigo, como te chamas?
Eu?
– perguntei, pensado se falava comigo.
Sim, tu. – ele sorria e acenava com o copo.
João. – disse timidamente.
Pronto, João. Vais com a minha secretária, ela mistura-te com o meio.
Cláudia pegou-me na mão, a sua pele sensível deslizou sobre a minha.
Gasta dinheiro, de certeza que te irás sentir melhor. – despediu-se Heitor.
Dali rapidamente saiu e dispersou-se pela festa. A sua assistente levava-me a passear, larguei o copo vazio numa bandeja e dediquei-lhe a minha atenção. Não sabia para onde me encaminhava, o que de mim pensava.
Vieste à procura de algo especial? – perguntou ela.
Não.
De alguém...?
– insistia comigo.
Também não, mas parece que encontrei. – respondi.
Estava muito mais calmo, todo aquele momento inicial de choque fazia parte do passado, tinha sido uma estranha surpresa, não havia planeado nada daquilo. Quem eu tanto procurava acabou por me encontrar, daquele instante salva-se esta irresistível mulher que agora me acompanha. Cláudia nada mais perguntou, a sua mão apertava a minha com mais força, os seus lábios pareciam mais atraentes.
Passeávamos calados entre os convidados, trocávamos sorrisos, alguns olhares discretos.
No entanto, a minha cabeça não se rendia ao momento, estava sendo levado por este sonho de mulher e apenas tentava encontrar uma maneira de levar o Heitor até Lisboa. Não me parecia mau tipo, foi agradável comigo e deixou-me ao cuidado da sua secretária. Pensava também na Elsa, continuava refém num recanto qualquer. Sabia que a única maneira de tudo isto acabar depressa e estar com ela seria levar quem vim buscar para Lisboa, entregá-lo à Agência, deixá-lo enfrentar a sua merecida sorte.
A elegante secretária parou de andar, voltou a pegar-me na mão.
Anda, sei do que tu precisas. – sussurrou-me ao ouvido.
Levou-me para uma sala à parte, outros pessoas encontravam-se lá dentro. Escutava-se música ambiente, alguns casais trocavam carícias, haviam quem somente se entregasse ao sabor de um licor.
Encontrámos o nosso lugar num dos sofás, Cláudia retirou do soutien um pequeno frasco. Parecia-me cocaína, colocou parte do produto nos seus lábios. Chamou-me a beijá-los, puxou pelo meu colarinho e colou os seus lábios nos meus. Senti algo de imediato, não somente o sabor da sua boca, o sangue fervilhava, algo me chegava rapidamente ao cérebro.
Afastou-me, humedeceu novamente os seus lábios e procurava agora o calor do meu pescoço. Assumia ela o ritmo, depressa os seus olhos se juntaram aos meus e lambeu-me dos lábios o resto de produto que lá ficara.
Sabes bem, gosto de ti. – disse ela.
Voltou a afastar-se do meu corpo, encostou-se calmamente no sofá. Pousou as suas elegantes pernas sobre o meu colo, os seus pés aqueciam cada pedaço de mim onde tocavam.
Era sem dúvida deslumbrante esta mulher, talvez a cocaína me tivesse deixado rapidamente rendido à Cláudia, estava literalmente a seus pés. Tinha esquecido o Heitor, a preocupação pela Elsa, de tudo mais o que me fizera ali chegar. Apenas pensava nesta mulher, no seu corpo, nos seus lábios quentes.
Cláudia deitou um pouco de cocaína sobre o seu peito, agora destapado, lindo e redondo. Não pensei duas vezes, nunca antes tinha consumido aquela merda, mas aquela a mulher mexia comigo. Há muito que deixara de controlar o sentido do meu corpo, os meus instintos estavam completamente entregues aos desejos e virtudes da Cláudia.
Lambi e chupei o seu mamilo, ela aquecia e ao passar da minha língua e os seus seios iam ficando mais rijos. Deu-me o outro seio a beijar, dispensei a cocaína, ela sorriu e deixou-me avançar pelo seu corpo.
Depressa me distraí, avistei o Heitor a entrar na sala, vinha bem acompanhado por uma loira. Acenou-me com um copo e vieram os dois na nossa direcção. Sentaram-se na outra ponta do sofá, Cláudia deu-lhe o resto do frasco, ele rapidamente o dividiu com a sua nova amiga.
Este não era o meu ambiente, não consumia drogas, não bebia champanhe, não chegava de Porsche a festas particulares, nunca me envolvera com esta gente, mas sentia-me seduzido por tudo, agradado com os caminhos menos claros e inconsistentes que pisava. Já não estava nervoso na presença do Heitor, a sua faceta de agente secreto era por mim esquecida, considerava-o como qualquer pessoa normal e deixava-me mais calmo.
João, a Cláudia tem tratado bem de ti? – perguntou ele.
Não precisei de responder nada, um sorriso estampado na minha cara foi bem claro.
Aproveita a noite, pode ser mágica. – finalizou o Heitor, voltando-se de seguida para a loira.
A intensidade das luzes baixou, avermelhadas e sem sombras.
As portas daquele pequeno espaço fecharam-se, não estavam mais que dez pessoas no seu interior, repartidas por quatro sofás. Apenas a iluminação do bar se mantinha, de lá saíram raparigas totalmente nuas servindo bebidas pelos presentes. Cláudia não parava de me estimular, começava a entrar em ansiedade, apetecia-me comer cada uma delas, as suas mãos vagueavam livremente pelo meu corpo. Muitas das nossas roupas estavam despidas, fora servido um licor afrodisíaco pelas meninas do bar, o calor aumentava sem parar. Cláudia não me dava descanso, sabia que a cada movimento seu me deixava mais excitado, com mais desejo por ela. Quis beijar todo o seu corpo, mantinha apenas a sua cueca vestida. A menina fervia, há muito que me rendera aos pormenores do seu corpo.
O Heitor foi para o chão com a sua amiga, aquele sofá ficou somente entregue a mim e àquela morena exótica que me deixava louco. Agora com as drogas de lado, os copos vazios, estávamos somente entregues aos desejos dos corpos. Empurrou-me para trás, queria ser ela a assumir o comando. Sentou-se no meu colo, deu-me chupões pelo peito, rasgou-me o resto da camisa que trazia vestida. Nada nos parava agora, o seu jeito agressivo excitava-me cada vez mais, o seu peito deslizava pelo meu rosto, as suas pernas apertavam-me a cintura, Cláudia dançava sobre mim. Não me aguentei quieto, peguei no seu corpo e lancei-a sobre o sofá, ela rapidamente se virou de costas. Arranquei do seu corpo a última peça que ainda o cobria, o desejo era mais que nunca, a excitação fazia-me fervilhar o sangue, não descansei enquanto não a penetrei fortemente por trás... os seus gemidos eram audíveis pelos cantos da pequena sala, dávamos o moto para toda aquela entretida assistência.
A música ambiente deixou de tocar na minha cabeça, todas as outras mulheres se tinham calado, apenas os seus gritos de prazer me acompanhavam. A presença de cocaína no meu organismo fez prolongar o inevitável. O calor daquela mulher aquecia cada pedaço de mim, a droga tinha-me dado uma sensação de força inesgotável, não desconfiava a que preço pagaria mais tarde.
Os suspiros finais haviam sido dados, os nossos corpos estavam encharcados em suor. Mal conseguia falar, tinha dificuldades em respirar. Cláudia chegou-se a mim, partilhávamos o sofá, aninhou-se no meu corpo e beijou-me os lábios, agora secos de exaustão.
Não me senti adormecer, despertei com o Heitor a mandar-me levantar.
Vesti um roupão que tinham trazido para mim, Cláudia descansava e ajeitava-se no sofá.
Vem comigo, precisamos de conversar. – disse o Heitor.
Deixámos as meninas no sofá, caminhámos pelos corredores da mansão e entrámos numa sala de sauna, o ambiente estava demasiado quente, sentia-me ofegante, pensei que fosse desfalecer.
Vamos, senta-te aqui. Isso já passa. – dizia ele.
Sentei-me a seu lado, sem o roupão, agora com uma toalha sobre o colo.
Não estou habituado a estas coisas. – disse eu, completamente exausto.
A quê, foder? – interpôs o Heitor, brincando.
Às drogas... – respondi.
Como te disse, isso passa. Bebe este chá, nem precisas de aquecer. – acrescentou.
Pouco tempo depois já me sentia melhor, ainda cansado mas mais desperto. A sauna ajudava a purificar o meu corpo, limpava pelo poros alguns abusos cometidos antes, todos aqueles excessos iam-se dissipando em claras gotas de suor.
João, temos de ir. Vai ficando tarde. – disse o Heitor.
Ir onde? – perguntei.
Isso deves tu saber, não me vieste buscar?
Não te percebo...
– respondi baixinho.
Percebes sim. Quero entregar-me, há muito tempo que fujo. – interrompeu-me.
Ele tinha-me apanhado desprevenido e com as defesas completamente em baixo.
Mas... Como sabias?! – perguntei, algo preocupado.
O anfitrião desta festa, à qual foste gentilmente feito convidado, é um grande amigo de longa data e devia-me um favor. – respondeu, remexendo na folha de jornal que lia.
Ele que me denunciou? – voltei a perguntar, desconfiado que havia sido tramado.
Heitor sorriu, deveria ter pena de todo o meu nervosismo.
Não, João. Tudo isto foi planeado, a Agência por vezes é demasiado previsível.
Voltou a remexer no seu jornal...
Aposto que toda aquela gente começou imediatamente a trabalhar quando o Sheik lhes informou que eu estaria presente na sua festa de aniversário. – acrescentou.
Heitor levantou-se, assustei-me e pensei que me fosse fazer algo, mas não. Pousou o jornal e foi buscar mais chá. Voltou ao seu lugar, sentou-se e retomou a leitura do jornal.
Reparei que és novo por estas aventuras. Qual é a tua história? – perguntou-me.
Contei-lhe então o que se passara na véspera, da abordagem da Agência, do meu estranho acordar em solo espanhol e o que me tinha levado a ir buscá-lo.
Não te preocupes, deve acabar depressa. – acalmou-me.
Aquelas palavras pareceram-me sinceras, queria acreditar que seriam.
Saímos da sauna, Cláudia esperava-nos, já restabelecida e vestida.
Cláudia, pega no meu carro e vai embora.
O momento chegou, talvez nos vejamos em breve.
– disse o Heitor, num jeito atarefado.
A despedida entre eles foi demorada. A mim, Cláudia apenas um beijo soltou, já no caminho para o parque do hotel.
Depressa chegámos ao carro e nos colocámos a caminho de Lisboa. A bela mulher dispersara-se noutro sentido, sem deixar rumo ou direcção.
Pronto, meu jovem, agora é contigo. Liga ao teu supervisor e diz-lhe que vamos a caminho. – acrescentou Heitor.
A estrada fugia debaixo de nós, a velocidade era elevada e o ambiente estava pesado, o silêncio era de tal forma envolvente que por diversas vezes me senti adormecer. Havia uma grande suavidade no ruído, apenas interrompida pelo poderoso motor do Porsche.
Sim, João. Conta-me lá o que vais pensando. – intrometeu-se o Heitor nas minhas dúvidas caladas.
Porque denunciaste meio mundo?
Pareceu-me uma pergunta delicada, de certeza que era um ponto sensível, julgo que ele se arrependeu um pouco de me pedir que lhe contasse o que ia na minha cabeça.
A agência Magestic tinha a minha filha na posse deles.
Filha? Pensava que nessa profissão não poderiam ter laços com ninguém. – interrompi.
João, vês demasiados filmes. Mal seria de mim se não tivesse alguém por quem lutar ou sequer viver.
Como se chama ela?
– perguntei.
Heitor emocionou-se, deixou cair algumas lágrimas pelo rosto pesado.
Então, que foi agora? – continuava a insistir com ele.
Chamava-se Teresa.
Chamava-se?!
Sim, morreu nas mãos da Magestic...
Parece que a lista não lhes chegava.
– disse o homem, desfeito em lágrimas.
Que correu mal?
É uma longa historia.
Heitor, tempo não nos falta, temos um longo caminho pela frente.
– voltava a insistir.
Ele nada disse entretanto, momentos depois começou a falar sem parar, soltando algumas lágrimas com o que me contava.
Durante a troca, eles confirmaram a lista. Sabiam que deveria conter 26 nomes...
Não desconfiava que eles soubessem dessa informação.

Reduzi a velocidade, queria escutar o resto que ele tinha para me dizer.
Coloquei todos os nomes, inclusive o meu, excepto um.
Alguém importante?
– perguntei.
Sim, muito. Os dados não bateram totalmente certo, já tinha a minha filha no carro comigo e a Cláudia ao volante.
Calculei. Era ela quem não contava na lista?
– voltei a questioná-lo.
Não, mas deixa-me continuar...
O homem secou as suas lágrimas, baixou o vidro e recostou-se melhor no assento.
Já tinha feito a minha parte, trazia a minha filha comigo. Entrei no carro e pedi à Cláudia que arrancasse.
Os tipos de imediato nos obrigaram a parar, saímos os dois do carro, a tensão era alta.
A minha menina tinha ficado no banco de trás, chorava sem parar.
– também o Heitor se emocionava.
Eles eram três, um permanecia dentro do veículo deles enquanto os outros estavam diante de nós.
Heitor contava a história, calmamente e algo perturbado, alongava-se nas pausas e um sentimento de arrependimento tomava conta das suas palavras. No entanto, continuava sem perceber como tudo tinha acabado em tragédia.
Um deles perguntou-me qual o nome que faltava.
Não lhe respondi, apenas acenava que nada mais sabia.
A partir desse momento senti que algo de errado se iria passar.
– apertava os punhos de raiva.
Não teve qualquer calma, ordenou ao outro tipo que disparasse sobre a Michele.
As palavras do Heitor vinham carregadas de dor.
O meu mundo tinha acabado ali. Saquei da arma e matei aqueles dois.
A Cláudia ainda tentou interceptar o outro agente que estava dentro do carro, mas os tiros de nada valeram. Conseguiu fugir e levou a lista que lhes tinha entregue.
Mas tentaste salvar a tua filha.
– intrometi-me então no que me contava
Não a salvei e eles ficaram com uma lista que coloca em periga dezenas de pessoas.
A mãe dela nunca me perdoou, ainda hoje me culpa de tudo o que aconteceu.
– acrescentou.
Então, como assim? – perguntei.
Heitor passou a mão pela face, visivelmente cansado e acusando os vícios da noite.
João, quem te mandou vir buscar-me?
A Patrícia e outra mulher.
Essa mulher chama-se Laura?
– voltou a perguntar-me.
Sim, julgo que sim.
Ele cortou o diálogo, queria que raciocinasse mas os excessos da noite continuavam a atrofiar-me a cabeça.
Ela pareceu-me bastante interessada em capturar-te.
Heitor sorriu depois de lhe dizer aquilo.
Acredito. – acrescentou.
É ela a mãe da tua filha?
Sim, a mulher que amei.
– respondeu, entre bocejos.
Ele calou-se, deixava-se levar pelo sono. Fechou os olhos, pensei que fosse adormecer. Ia-lhe perguntar tanta coisa mais, tinha achado aquilo demasiado intenso, apesar de dramático, mas continuava tanto por explicar...
Sim, era o nome dela que faltava naquela lista. – disse Heitor, sem abrir os olhos.
Não me dera sequer tempo de formular a pergunta, sabia que me havia desperto a curiosidade.
Mas porquê, Heitor?
Simples. Precisava de alguém que cuidasse da minha filha depois da minha morte.
Poderia não ter voltado a casa naquela noite.
– acrescentou.
Continuo sem perceber porque te vais entregar, eles não te vão perdoar. – insisti.
Sim, talvez. – respondeu ele, sem hesitação.
Regressava agora um sorriso à expressão do Heitor, como se planeasse algo.
A Laura sempre soube. – disse ele, passando uma mão na face.
Como assim? – perguntei.
Deixou-me fugir, inventou mil e uma missões para me manter longe. – acrescentou.
Ela disse-me que só tinham descoberto há duas semanas atrás. – interrompi.
A agência talvez, ela sabia desde o momento zero.
Gerava-se alguma confusão na minha cabeça...
Que achas que mudou entretanto? – perguntei.
Heitor levou mais tempo para responder, o sono havia tomado completamente conta de si.
Só há duas semanas ela soube que a Cláudia estava comigo na noite da troca e que éramos amantes.
Fiquei calado, encaixava então pequenas peças de um puzzle complexo e sem fim à vista. Laura queria-se vingar do marido, não por ser culpado da morte da sua filha mas porque andava metido com uma colega. Estranhas vidas desta gente estranha.
Pronto, agora deixa-me dormir. – finalizou Heitor.
Ele adormeceu momentos depois, mas as drogas daquela noite mantinham-me desperto. Faltava pouco para chegar a Lisboa. Liguei à Patrícia, disse-lhe onde estava e combinámos um encontro em Belém.
Cheguei meia hora depois ao local marcado, haviam dois carros parados junto ao rio e um deles fez-me sinais de luzes. Estacionei o Carrera entre os dois carros escuros, a Patrícia e a Laura saíram de um deles. Continuava sem ver a Elsa, pensei em arrancar e fugir dali, mas outro carro barrou-me a saída.
Saí então do Porsche, Heitor permaneceu lá dentro.
Não saberia como reagir, não havia qualquer sinal da minha Elsa e sentia a tensão aumentar.
Dois agentes afastaram-me do caminho e tiraram o Heitor do carro, ele não ofereceu resistência e facilmente se deixou levar para o interior de um dos Mercedes.
Do carro que me bloqueava a saída, abriu-se uma porta. Com o acender da luz interior reparei que era o meu, reconhecia agora aquelas curvas e as que se encontravam lá dentro. Elsa acenou-me da janela, o agente que conduzia o Audi acelerou e estacionou pouco mais à frente, desbloqueando a passagem do Porsche.
Elsa saio calmamente do carro, veio ter comigo e abraçámo-nos. Chorei quando novamente a senti nos meus braços e beijei os seus lábios. Quem conduzia o carro também de lá saiu, entregou-me as chaves e sentou-se no Porsche.
Patrícia acompanhou este agente, não me dirigiu a palavra, apenas um sorriso discreto. As portas daqueles três carros fechavam-se e saíram dali a toda a velocidade, infelizmente, não tanto como da minha vida. Continuava entregue aos braços da Elsa, nada mais me importava. Desconhecia a sorte do Heitor, do paradeiro da Cláudia ou o que aquelas duas agentes fariam de seguida. Tudo se esfumava com o barulho ao longe dos motores dos carros, para mim ali acabava. O meu jardim estava completo, tinha recuperado a minha flor mais preciosa.
Sentia-me cansado, Elsa conduziu o carro e levou-me para sua casa. Rapidamente caí na cama, ainda vestido, transportando os excessos daquela noite.
Fiquei aliviado de a ver bem, despiu calmamente a sua roupa e deitou-se a meu lado.
Trocámos um beijo, agora em sossego, adormecemos.